Editorial 55

Os recursos extraordinário e especial, quando têm por objeto uma questão repetitiva em várias causas, serão submetidos à técnica de julgamento dos arts. 543-B e 543-C, ambos do CPC. Significa que, em casos repetitivos, um ou alguns dos recursos são escolhidos para julgamento pelo STF ou STJ, ficando os demais sobrestados, no aguardo de tal julgamento. É o que se chama de julgamento por amostragem. Realizado o julgamento pelo STF ou STJ, os demais recursos devem ter o mesmo destino daquele que foi destacado para julgamento.


Se, selecionado um recurso para julgamento, quando já pronto para ser levado a debate no órgão do STF ou STJ, pode o recorrente desistir dele? Em outras palavras, é eficaz a desistência de recurso destacado, por amostragem, para julgamento? A desistência do recurso, como se viu, produz efeitos imediatos (CPC, art. 158), não necessitando de homologação judicial, nem de concordância da parte contrária (CPC, art. 501). É dizer: não se pode, em princípio, rejeitar a desistência, pois não se pede a desistência; simplesmente se desiste e a desistência produz efeitos imediatos.


Há, contudo, um detalhe a ser observado.


Quando se seleciona um dos recursos para julgamento, instaura-se um novo procedimento. Esse procedimento incidental é instaurado por provocação oficial e não se confunde com o procedimento principal recursal, instaurado por provocação do recorrente. Passa, então, a haver, ao lado do recurso, um procedimento específico para julgamento e fixação da tese que irá repercutir relativamente a vários outros casos repetitivos. Quer isso dizer que surgem, paralelamente, dois procedimentos: a) o procedimento recursal, principal, destinado a resolver a questão individual do recorrente; e, b) o procedimento incidental de definição do precedente ou da tese a ser adotada pelo tribunal superior, que haverá de ser seguida pelos demais tribunais e que repercutirá na análise dos demais recursos que estão sobrestados para julgamento. Este último procedimento tem uma feição coletiva, não devendo ser objeto de desistência, da mesma forma que não se admite a desistência em ações coletivas (Ação Civil Pública e Ação Direta de Inconstitucionalidade, por exemplo). O objeto desse incidente é a fixação de uma tese jurídica geral, semelhante ao de um processo coletivo em que se discutam direitos individuais homogêneos. Trata-se de um incidente com objeto litigioso coletivo.


Quando o recorrente, num caso como esse, desiste do recurso, a desistência deve atingir, apenas, o procedimento recursal, não havendo como negar tal desistência, já que, como visto, ela produz efeitos imediatos, não dependendo de concordância da outra parte, nem de autorização ou homologação judicial. Ademais, a parte pode, realmente, precisar da desistência para que se realize um acordo, ou se celebre um negócio jurídico, ou por qualquer outro motivo legítimo, que não necessita ser declinado ou justificado. Demais disso, o procedimento recursal é, como se sabe, orientado pelo princípio dispositivo.


Tal desistência, todavia, não atinge o segundo procedimento, instaurado para definição do precedente ou da tese a ser adotada pelo tribunal superior. Esse procedimento incidental é, inclusive, instaurado por provocação oficial, o que revela o interesse público que lhe é subjacente.


Em suma, a desistência não impede o julgamento, com a definição da tese a ser adotada pelo tribunal superior, mas tal julgamento não atinge o recorrente que desistiu, servindo, apenas, para estabelecer o entendimento do tribunal, a influenciar e repercutir nos outros recursos que ficaram sobrestados.


Em determinada questão repetitiva, foram selecionados para julgamento no STJ dois casos, contidos nos REsp 1.058.114 e REsp 1.063.343. Em tais casos, o recorrente desistiu dos recursos, mas o STJ negou a desistência. Em tais casos, o STJ rejeitou a desistência do recurso, não fazendo a distinção ora proposta. Parece mais adequado, como visto, entender que há revogação do recurso, pela desistência, mas deve realizar o julgamento no tocante ao procedimento instaurado com a seleção dos recursos para definição da tese pelo STJ.


Fredie Didier Jr.
Leonardo José Carneiro da Cunha

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