De acordo com o art. 1.109 do CPC, pode o órgão jurisdicional, na jurisdição voluntária, não observar a legalidade estrita, decidindo de acordo com critérios de conveniência e oportunidade.
A regra é velha (consta do texto originário do CPC/1973) e foi criada para conferir ao órgão jurisdicional uma maior margem de discricionariedade, tanto na condução do processo quanto na prolação da decisão em jurisdição voluntária [1].
Permite-se uma espécie de juízo de equidade na jurisdição voluntária. Para a época, era uma regra bem interessante, notadamente porque estava em dissonância com o art. 126 do CPC, que determinava ao órgão jurisdicional o dever de decidir com base na legalidade. Atualmente, porém, a regra parece dizer o que já se sabe: que a atividade jurisdicional não é uma atividade de mera reprodução do texto da lei, há criatividade judicial, notadamente por conta da abertura própria dos princípios e das cláusulas gerais, espécies normativas muito comuns em nossos dias, e, sobretudo, pelo dever de observância dos postulados normativos da proporcionalidade e da razoabilidade, que exigem do órgão jurisdicional a atenção redobrada na produção da justiça do caso concreto. A regra, portanto, é boa e, em certa medida, já anunciava uma metodologia jurídica que, anos depois, veio a consolidar-se.
Como corretamente percebeu FERNANDO GAJARDONI, o art. 1.109 do CPC estabelece uma regra geral de flexibilização procedimental, permitindo ao órgão jurisdicional a adaptação do procedimento da jurisdição voluntária às peculiaridades do caso concreto, como, por exemplo, a não-realização de determinado ato que, no caso concreto, se revela desnecessário, como o interrogatório do interditando que se encontra em coma [2].
Interessante, também, a menção a um exemplo prático de aplicação da regra na decisão em jurisdição voluntária. A guarda compartilhada dos filhos do casal foi recentemente regulamentada no Código Civil (arts. 1.583-1.584 do Código Civil, alterados pela Lei n. 11.698/2008). Não obstante isso, os magistrados sempre a admitiram, mesmo sem texto expresso de lei, na homologação de separações/divórcios consensuais que a contivessem, exatamente porque entendiam ser a solução mais justa do caso concreto. A jurisprudência antecipou-se à consagração legislativa da guarda compartilhada. O art. 1.109 do CPC exerceu, no particular, papel muito importante.
Fredie Didier Jr.
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[1] Admitindo apenas a discricionariedade na decisão, mas não na condução do processo, STJ, REsp n. 623.047-RJ, rel. Min. Nancy Andrighi: Não se hesita em aplicar o art. 1109 do CPC nas ações de jurisdição voluntária típicas quando se reputar mais conveniente ou oportuna. Todavia, intangíveis são as regras processuais que cuidam do direito de defesa da parte requerida, especialmente quando se trata de ação de interdição, de caráter indisponível e que privará o interditando da administração da sua vida. Ademais, o disposto no referido artigo é direcionado a modificação das regras para decidir o processo, isto é, permite, por exemplo, ao juiz julgar com base na equidade, que nada mais é do que a solução mais adequada à situação concreta, mesmo que haja regra legal aplicável à situação. Este é o limite da afirmação legal de que o juiz não está vinculado à legalidade estrita. Assim, não se extrai do art. 1.109 do CPC autorização para que o juiz deixe de praticar os atos processuais inerentes ao procedimento, máxime quando se tratar daquele que representa o direito de defesa da parte requerida. Nesta linha, com expressa referência a esse julgado, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 936. Os autores admitem, porém, a conformação do formalismo processual se houver respeito ao contraditório e concordância de todos os interessados com a adequação do processo proposta pelo órgão jurisdicional.
[2]GAJARDONI, Fernando Fonseca. Flexibilização procedimental. São Paulo: Atlas, 2008, p. 145-147.