O § 2º do art. 22 da Lei n. 12.016/2009 é regra nova no microssistema da tutela jurisdicional coletiva.
Para bem compreender a extensão da novidade, é preciso compreender o que significa o direito de auto-exclusão da jurisdição coletiva.
O direito à auto-exclusão da jurisdição coletiva consiste no poder jurídico de o indivíduo, por expressa manifestação de vontade, renunciar à jurisdição coletiva. Exercido esse direito, a jurisdição coletiva não produzirá efeitos na situação jurídica do indivíduo que se excluiu.
O exercício do right to opt out não implica renúncia da situação jurídica individual: o indivíduo não abre mão do seu direito à indenização, por exemplo; ele não quer, isso sim, que esse direito seja tutelado no âmbito coletivo, pois prefere, pelas mais variadas razões, a tutela jurisdicional individual. Ao excluir-se, o indivíduo não será prejudicado pela sentença desfavorável e também não poderá ser, naturalmente, beneficiado pela coisa julgada da sentença favorável (GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos. São Paulo: RT, 2007, p. 300).
Nem todo sistema jurídico, que prevê a tutela coletiva, contém regramento sobre o direito de auto-exclusão.
No direito estadunidense, por exemplo, as ações coletivas (class actions) previstas no art. 23, (b)(1) e (b)(2), das Federal Rules, não permitem auto-exclusão: são, por isso, denominadas de mandatory class action ou no opt out class action (GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos, cit., p. 291).
Ou seja: não há um imperativo teórico que imponha a existência da possibilidade de o indivíduo excluir-se da jurisdição coletiva.
Há um outro ponto digno de nota: a existência do direito à auto-exclusão pressupõe, logicamente, um prejuízo; por exemplo, que a coisa julgada coletiva estenda os seus efeitos para o âmbito individual, qualquer que seja o resultado do processo (pro et contra).
De fato, só há sentido em permitir que o indivíduo se exclua voluntariamente da jurisdição coletiva se ela puder prejudicá-lo. Este prejuízo poderá decorrer da espera pelo julgamento do processo coletivo, pela ausência de confiança no sistema processual coletivo e pela simples vedação da tutela individual, o que será averiguado pelo autor da ação individual, no nosso sistema, titular exclusivo deste direito.
O direito brasileiro não prevê a possibilidade de o indivíduo excluir-se da jurisdição coletiva por simples comunicação nos autos do processo.
Isso decorre da regra da eficácia apenas in utilibus da coisa julgada coletiva na esfera individual.
Se o indivíduo não quiser o benefício que advém do processo coletivo, basta, simplesmente, que não proceda à liquidação e execução da sua pretensão individual.
No Brasil, como regra geral, para que o indivíduo se exclua da jurisdição coletiva, é preciso que, proposta sua ação individual e devidamente cientificado da existência de um processo coletivo, decida pelo prosseguimento do processo individual (art. 104, CDC; art. 22, § 1º, Lei n. 12.016/2009). Esse é o modo de abdicar expressamente da jurisdição coletiva no direito brasileiro, ato que não implica, repita-se, renúncia ao direito discutido.
O art. 104 do CDC dispõe que os efeitos a coisa julgada coletiva não beneficiarão o indivíduo, que tiver proposto a sua ação individual, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. Isso significa que se estiver pendente uma ação individual e uma ação coletiva correspondente, para que o indivíduo se beneficie da coisa julgada coletiva, é preciso que ele peça a suspensão do seu processo individual, no prazo de trinta dias contados do conhecimento efetivo da existência do processo coletivo.
O prosseguimento do processo individual (iniciado antes ou depois da propositura da ação coletiva, pouco importa) significará a exclusão do indivíduo-autor dos efeitos da sentença coletiva. Para tanto, é preciso que o indivíduo tenha optado pela continuação do seu processo individual, a despeito da existência do processo coletivo. Essa opção, porém, somente pode será válida, se lhe foi garantida a ciência inequívoca da existência do processo coletivo. A ciência pode ser verificada de forma inequívoca quando ocorrer nos autos do processo. Trata-se de pressuposto para o exercício regular, pelo indivíduo do right to opt out, ou o direito de optar por ser excluído da abrangência da decisão coletiva.
O § 1º do art. 22 da Lei n. 12.016/2009 foge à regra geral do microssistema: o indivíduo deverá desistir do mandado de segurança individual, em vez de pedir a suspensão do processo. A regra é estranha e pode revelar-se inconstitucional se, no caso concreto, a desistência implicar a perda do direito fundamental ao mandado de segurança, que deve ser exercitado em cento e vinte dias (art. 23 da Lei n. 12.016/2009). Seria restrição irrazoável ao direito fundamental ao mandado de segurança.
Explica-se: a desistência do mandado de segurança, embora não implique decisão de mérito (e, portanto, suscetível de tornar-se indiscutível pela coisa julgada material), pode redundar na perda do direito fundamental ao mandado de segurança, que não poderia ser renovado, após eventual insucesso do mandado de segurança coletivo, em razão da necessidade de observância do prazo de cento e vinte dias previsto no art. 23 da mesma lei. Pode ser que a desistência não implique necessariamente essa perda (como nos casos de mandado de segurança contra omissão, que não se submete ao mencionado prazo). Mas a regra será a perda da oportunidade de discutir o seu direito individual por mandado de segurança.
Assim, dificilmente o impetrante desistirá do mandado de segurança, com toda razão. A situação que se pretendia evitar (pendência da ação coletiva e de ação individual sobre o mesmo tema) permanecerá ocorrendo. A solução legislativa é bem ruim.
O dispositivo tende a tornar-se letra morta. A tendência é a de a jurisprudência considerar que o mais adequado é a suspensão do processo individual, conforme a regra geral do microssistema. Esta interpretação pode, inclusive, fundamentar-se na relação de preliminaridade (a procedência da ação coletiva torna desnecessário o julgamento de mérito da ação individual) entre a ação coletiva e a ação individual, que autoriza a suspensão do processo individual com base no art. 265, IV, a, CPC.
Não será a primeira vez que regras processuais precisam ser adequadas às peculiaridades do mandado de segurança.
O § 1º do art. 21 do Regimento Interno do STF autorizava o relator a extinguir o processo, em caso de incompetência. A regra excepcionava o CPC, que determina a remessa dos autos ao juízo competente nos casos de reconhecimento da incompetência (art. 113, § 2º, do CPC). O STF percebeu que, se a regra do seu Regimento fosse aplicada ao mandado de segurança, o impetrante não teria mais como impetrar o seu mandado de segurança perante o tribunal competente, exatamente em razão do mencionado prazo (MS n. 25087 ED/SP, j. em 21.9.2006, MS n. 26.244 AgR/DF, publicado no DJU de 23.2.2007, e MS n. 26.006 AgR/DF , j. em 2.4.2007). Assim, o dispositivo foi alterado (Emenda Regimental n. 21/2007), para reproduzir o regramento do CPC: a incompetência no STF implica remessa dos autos ao órgão jurisdicional competente, e não mais extinção do processo.
Fredie Didier Jr.