Editorial 99

O art. 496 do NCPC cuida de apresentar o conteúdo possível da defesa do executado na execução de sentença. Trata-se de texto semelhante ao atual art. 475-L, CPC.


Neste momento, gostaria de tecer considerações sobre o inciso IV desse artigo.

Permite-se que o executado alegue, na execução de sentença, sua ilegitimidade e a falta de citação no processo de conhecimento (“Art. 496. Não incidirá a multa a que se refere o caput do art. 495 se o devedor, no prazo de que dispõe para pagar: (…) IV – demonstrar ser parte ilegítima ou não ter sido citado no processo de conhecimento”).

O projeto funde, em um mesmo inciso, as hipóteses atualmente previstas em incisos diversos (art. 475-L, I e IV, CPC).

Vejo dois problemas neste novo inciso.

Em primeiro lugar, não me parece correto que essas hipóteses sejam reunidas em um mesmo inciso. São situações muito diferentes entre si.

A ilegitimidade de que se cogita é a ilegitimidade na execução (arts. 704-705, NCPC); não se trata de ilegitimidade no processo de conhecimento, questão cuja discussão fica obstada pela eficácia preclusiva da coisa julgada.

A falta de citação é defeito do processo de conhecimento, cuja eficácia invalidante se projeta para além do prazo da ação rescisória, permitindo o desfazimento da sentença defeituosa. Trata-se de questão que não fica acobertada pela eficácia preclusiva da coisa julgada. É hipótese de controle da coisa julgada, chamada de querela nullitatis.

Não devem ser reunidas em um mesmo inciso, portanto, para evitar incompreensões desnecessárias. Não há mal algum em manter a opção atual pela separação dessas hipóteses: cada uma em seu inciso.

Em segundo lugar, há um aspecto ainda mais preocupante.

O projeto permite ao executado alegar que não fora “citado no processo de conhecimento”. O texto atual (art. 475-L, I, CPC) é escrito de outra maneira: “falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia”. A mudança de redação é injustificável.

Não basta a falta de citação para que se permita o desfazimento da sentença proferida contra o réu. É preciso que ele não tenha participado do processo de conhecimento. Se ele não foi citado, mas participou do processo, a falta é sanada e nada justifica que, posteriormente, possa pedir a invalidação da sentença contra ele proferida.

Demais disso, é preciso manter a hipótese que permite o desfazimento da sentença nos casos de citação defeituosa que gerou revelia e sentença contra o réu. Nada justifica que ela seja eliminada. É defeito igualmente grave.

É certo que a jurisprudência poderia suprir a lacuna do novo texto, a partir da incidência do princípio da boa-fé e da regra de que o comparecimento espontâneo supre a falta de citação (art. 196, § 1º, NCPC), dando-lhe a interpretação adequada.

Mas não há qualquer necessidade em permitir que o NCPC nasça com uma lacuna deste tamanho.


Fredie Didier Jr

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