Editorial 89


Não se admite a formulação de defesa genérica. O réu não pode apresentar a sua defesa com a negativa geral dos fatos apresentados pelo autor (art. 302 do CPC). Cabe-lhe impugná-los especificadamente, sob pena de o fato não-impugnado ser havido como existente. Eis o ônus da impugnação especificada. Ao autor cabe formular sua demanda de modo claro e determinado (demanda obscura é inepta e o pedido genérico é apenas excepcionalmente admitido); idêntica razão impõe a regra que veda a contestação genérica. Prestigiam-se, assim, o princípio da cooperação e, consequentemente, o princípio da boa-fé processual.

Esse ônus não se aplica quando a defesa tiver sido apresentada por advogado dativo, curador especial ou membro do Ministério Público (parágrafo único do art. 302).
Essa regra precisa de uma explicação mais minuciosa.

O curador especial e o advogado dativo (art. 5º, §§ 3º e 4º, Lei n. 1060/1950) estão dispensados de observar esse ônus ao elaborarem a defesa dos seus representados. Isso porque são representantes que assumem suas funções em situação que não lhes permite, no mais das vezes, ter acesso imediato ao réu, de quem poderia extrair as informações indispensáveis para a elaboração de uma defesa específica. Ambos aterrissam no processo de “paraquedas”. Nestas circunstâncias, justifica-se plenamente a não-incidência da regra de não impugnação especificada: para que não tenham de mentir ou esforçar-se na criação de uma “estória do réu”, autoriza-se que esses representantes apresentem uma defesa genérica.

A menção ao Ministério Público justificava-se, pois, ao tempo da promulgação do CPC (1973), a ele cabia, em certas situações, a defesa de pessoas em estado de hipossuficiência, atribuição semelhante à que hoje exerce a Defensoria Pública. O Ministério Público poderia promover a defesa do interditando, por exemplo (art. 1.182, § 1º, CPC; art. 449 do Código Civil de 1916). O novo perfil constitucional do Ministério Público não é mais compatível com esse tipo de atuação: ao MP cabe a legitimidade para a defesa de interesses da coletividade. Se, porém, em alguma situação específica, relacionada a direito individual indisponível de incapaz (a única que se pode cogitar), o Ministério Público promover a defesa do réu, a regra de exceção ao ônus da impugnação especificada poderá incidir, desde que obviamente o Ministério Público não tenha acesso ao representado, situação fática indispensável para essa incidência. Observe-se, porém, o seguinte: a regra se refere ao Ministério Público como representante do réu (mesma condição do curador especial e do advogado dativo). Se o Ministério Público for réu (hipótese rara, mas plenamente possível; pense-se na ação rescisória contra sentença proferida em processo promovido pelo Ministério Público: ele será o réu) ou autor (no caso da réplica), terá de observar o ônus da impugnação especificada.

O defensor público não está livre deste ônus ao elaborar a contestação da pessoa que representa. Só não terá esse ônus se atuar como advogado dativo ou curador especial, que é uma função institucional da Defensoria Pública (art. 4º, VI, da Lei Complementar n. 80/1994).

Mas não se pode cometer o equívoco de que toda a atuação do defensor público será sempre na qualidade de curador especial ou advogado dativo. Repita-se: a incidência da regra pressupõe a dificuldade de comunicação entre o representante judicial e o réu, que pode não existir na relação entre o defensor público e o cidadão carente.

A Fazenda Pública submete-se ao ônus da impugna¬ção especificada (neste sentido, STJ, 2ª T., REsp n. 635.996/SP, rel. Min. Castro Meira, j . em 06.12.2007, publicado no DJ de 17.12.2007). Não há razão para dispensas os advogados públicos deste ônus, até mesmo por uma questão ética: ao advogado particular cabe a tarefa de manifestar-se precisamente sobre o que afirma a parte adversária; o advogado público, qualificado após a aprovação em concursos públicos concorridíssimos, poderia, simplesmente, não manifestar-se sobre as afirmações da parte adversária, sem qualquer conseqüência… O papel do advogado na construção da decisão judicial justa não pode ser desprezado; a incidência da regra aos advogados dos entes públicos seria verdadeira capitis deminutio desses profissionais. Veja-se o exemplo da ação civil pública em que um ente público é réu: nessa situação, o interesse público está, preponderantemente, do lado ativo, não se admitindo a negação geral, conduta que se pode reputar temerária, quando provinda de ente público.


Fredie Didier Jr.

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