O recurso especial pode ser interposto quando houver divergência jurisprudencial, nos termos da letra c do inciso III do art. 105 da Constituição Federal de 1988. Para que o recurso especial seja conhecido nessa hipótese, é preciso que haja a indicação de precedente de outro tribunal, cabendo, ainda, ao recorrente proceder ao confronto analítico entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma.
Tradicionalmente, o STJ entende que o acórdão paradigma deve ter sido proferido por qualquer outro tribunal, em qualquer caso, desde que haja similitude fática entre as hipóteses. Só não cabe invocar precedente do próprio tribunal que proferiu o acórdão recorrido (súmula do STJ, n. 13).
O Superior Tribunal de Justiça veio, entretanto, a firmar o entendimento de ser inviável, para demonstração da divergência jurisprudencial, o confronto com acórdãos proferidos em recursos ordinários em mandado de segurança. Com efeito, entende o STJ que a indicação de paradigma proferido em recurso ordinário em mandado de segurança não serve à demonstração da divergência jurisprudencial, tendo em vista seu efeito devolutivo amplo. (STJ, 2ª T., AgRg no Ag 1.160.702/RJ, rel. Min. Castro Meira, publicado no DJe 28.10.2009).
Tal orientação tem por fundamento a amplitude do efeito devolutivo do recurso ordinário. Ora, vários outros recursos também ostentam efeito devolutivo amplo. Nesse sentido, a apelação, o agravo de instrumento, os embargos infringentes têm, de igual modo, efeito devolutivo amplo. A prevalecer tal orientação, não seria também mais possível, para demonstração da divergência jurisprudencial, o confronto com acórdãos proferidos nesses recursos, somente sendo possível o cotejo analítico com acórdãos proferidos em recurso especial e em recurso extraordinário, cujo efeito devolutivo é menos amplo.
O efeito devolutivo dos recursos extraordinários também não possui limitação em sua profundidade, como, aliás, está consagrado no n. 456 da súmula do STF, aplicado também ao STJ.
No julgamento de qualquer recurso, o tribunal haverá de fixar a ratio decidendi da questão principal posta em julgamento. A ratio decidendi é a norma jurídica geral que o tribunal entende aplicável àquele caso concreto. Ela é o elemento normativo do precedente. Se tribunais diversos encontram para casos semelhantes normas gerais diversas, é preciso que o STJ intervenha para compor a divergência jurisprudencial. E isso é o quanto basta para o conhecimento do recurso especial. Pouco importa a situação processual (causa de competência originária ou derivada, recurso especial ou ordinário) de onde surgiu a decisão.
A função constitucional do Superior Tribunal de Justiça é a de uniformizar a jurisprudência nacional, eliminando divergência havida entre tribunais diferentes, independentemente do tipo de recurso em que proferido o precedente. É preciso, apenas, que haja divergência entre precedentes de tribunais diversos, cabendo ao STJ eliminar essa divergência e firmar a orientação a ser seguida pelos tribunais e, de resto, pela comunidade jurídica.
Esse entendimento firmado no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça contraria sua própria função constitucional, subtraindo a efetividade de sua função e apequenando sua importância como Corte de Justiça destinada, por imposição constitucional, à uniformização da jurisprudência nacional.
Ademais, não custa repisar o que sempre defendemos: na interpretação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, deve-se optar pela interpretação mais favorável ao cabimento, em prol da efetividade processual e do amplo acesso à justiça.
Lamentamos o entendimento, com o qual não concordamos. Não parece, enfim, adequado o entendimento.
Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha