Questão das maistormentosas, naaplicação do princípio da atipicidade da tutela coletiva (art.83 do CDC), é ade saber se é possível tutelar direito difuso por meio domandado de segurança.
A CF/88 conferiu aomandado de segurançao status dedireito fundamental individual e coletivo. Prescreve que omandado de segurançaserá concedido a direito líquido e certo não amparável porhabeas data ou habeas corpus. Qualquer direito, portanto, podesertutelado por mandado de segurança, desde que seus fundamentos fáticospossamser comprovados documentalmente.
A Constituição reconheceexpressamente aexistência dos direitos e deveres individuais e coletivos comodireitos egarantias fundamentais, sendo que o writdo mandado de segurança estáprevisto exatamente neste capítulo. Ter um direitosem ter uma ação adequadapara defendê-lo significa não poder exercê-lo, o quefere de morte a promessaconstitucional e a força normativa da Constituição quedela decorre. Seria oequivalente a tornar flatusvocis, bocas sem dentes, as garantiasconstitucionais.
O processo de mandado desegurança temrito célere e tradição constitucional longeva, que remete aformação daRepública no Brasil, sendo resultado histórico da antiga luta de Rui BarbosaparaQualquer restrição aomandado de segurança deve ser compreendida comorestrição a um direitofundamental e, como tal, deve ser justificadaconstitucionalmente.
O parágrafo único doart. 21da Lei n. 12.016/2009 restringe, porém, o objeto do mandado desegurançacoletivo aos direitos coletivos em sentido estrito e aos direitosindividuaishomogêneos: Parágrafoúnico.Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: Icoletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, ostransindividuais, denatureza indivisível, de que seja titular grupo oucategoria de pessoas ligadasentre si ou com a parte contrária por uma relaçãojurídica básica; II individuais homogêneos, assim entendidos, paraefeito desta Lei, os decorrentesde origem comum e da atividade ou situaçãoespecífica da totalidade ou da partedos associados ou membros doimpetrante.
A regra éflagrantemente inconstitucional.
Trata-se de violação doprincípio da inafastabilidade (art.5º, XXXV, CF/88), que garante que nenhumaafirmação de lesão ou de ameaça delesão a direito será afastadadaapreciação do Poder Judiciário. Esse princípio garante o direito aoprocessojurisdicional, que deve ser adequado, efetivo, leal e com duraçãorazoável. Odireito ao processo adequado pressupõe o direito a um procedimentoadequado, oque nos remete ao mandado de segurança, direito fundamental para atutela de qualquer situaçãojurídica lesada ou ameaçada, quegarante o direito Afasta-se apossibilidade de o direito difuso ser tutelado pormandado de segurança, umexcelente instrumento processual para a proteção dedireitos ameaçados oulesados por atos de poder.
Além disso, o textonormativo está em descompasso com aevolução da tutela coletiva no direitobrasileiro, especialmente o mandado desegurança coletivo. Muito se discutiu nosprimeiros anos de aplicação se omandado de segurança coletivo deveria tutelarapenas direitos coletivos(interpretação literal), direitos individuaishomogêneos (direitosacidentalmente coletivos) ou também direitos difusos. Atese vencedora na doutrinae na jurisprudência do Supremo Tribunal Federaldoutrinalato sensu (difusos,coletivos stricto sensu eindividuaishomogêneos). Nesse sentido: …expresso meu entendimento nosentido de que omandado de segurançacoletivo protege tanto os interesses coletivos e difusos,quanto os direitossubjetivos. (RE 181.438-1/SP, STF, Tribunal PlenoMin.Carlos Velloso Também neste sentido, o voto da Min. Ellen Gracie, noSTF,Pleno, RE n. 196.184, j. em 27.10.2004: Àagremiação partidária, não pode ser vedado o uso do mandadode segurançacoletivo em hipóteses concretas em que estejam em risco, porexemplo, opatrimônio histórico, cultural ou ambiental de determinadacomunidade. Assim, seo partido político entender que determinado direito difusose encontra ameaçadoou lesado por qualquer ato da administração, poderá fazeruso do mandado desegurança coletivo, que não se restringirá apenas aosassuntos relativos adireitos políticos e nem a seus integrantes. (RE196.184, transcrições, Bol.Inf. do STF nº. 372).
Uma interpretação literal do art. 21 da Lei n.12.016/2009 implicaria graveretrocesso social, com prejuízo a tutelaconstitucionalmente adequada (art. 5º,XXXV c/c art. 83 do CDC princípio da atipicidade das ações coletivas). Cabe aoaplicador dar ainterpretação conforme do texto normativo, para adequá-la aomicrossistema datutela coletiva e à Constituição Federal.
Fredie Didier Jr.
Hermes Zaneti Jr.