A Lei n. 12.016/2009 visa a regulamentar o mandado de segurança individual e coletivo.
Em relação ao mandado de segurança individual, não trouxe grandes novidades, restringindo-se, basicamente, a compilar a legislação que até então existia (Leis n. 1.533/1951, 4.348/1964 e 5.021/1966) e as súmulas dos tribunais superiores. No que diz respeito ao mandado de segurança coletivo, a situação é um tanto diversa, pois a lei trouxe dois novos textos normativos (arts. 21 e 22), que não tinham correspondente na legislação anterior.
O caput do art. 22 da Lei n. 12.016/2009 cuida dos limites subjetivos da coisa julgada no mandado de segurança coletivo: No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. O texto normativo não é uma inovação: limita-se a afirmar que a coisa julgada vincula o grupo titular do direito coletivo objeto do mandado de segurança. Nada demais, portanto.
O regime jurídico da coisa julgada não se compõe apenas pela definição dos seus limites subjetivos.
É preciso definir qual é a técnica de produção da coisa julgada, se pro et contra, secundum eventum litis ou secundum eventum probationis. A Lei n. 12.016/2009 nada disse a respeito deste tema.
A ausência de regramento pode ser constatada após confrontarmos o texto do art. 22 com o texto do inciso II do art. 103 do CDC, que cuida do regime da coisa julgada para os processos em que se discute direito coletivo (que também pode ser objeto de um mandado de segurança coletivo).
Eis o texto do art. 103, II, CDC: Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81.
Note que há duas regras bem definidas neste inciso: a coisa julgada é ultra partes (limite subjetivo) e secundum eventum probationis (salvo improcedência por insuficiência de provas, técnica de produção). Nada há na Lei n. 12.016/2009 a respeito da técnica de produção da coisa julgada, como se pode perceber após a leitura do art. 22, já mencionado.
Há, pois, lacuna normativa.
Três são, teoricamente, as soluções possíveis.
A primeira delas é considerar que o modo de produção de coisa julgada é o pro et contra, inclusive para os titulares dos direitos individuais considerados como substituídos, modo típico e adequado para o processo individual. Essa solução é inaceitável: a solução da lacuna deve ser buscada dentro do microssistema da tutela jurídica coletiva, e não fora dele, mormente se a opção revelar-se pior do que o modelo geral de coisa julgada previsto no CDC. Não parece constitucional atribuir ao mandado de segurança coletivo, que é um direito fundamental, um modelo de coisa julgada mais prejudicial às situações jurídicas coletivas do que aquele previsto na legislação comum para a tutela coletiva. Um direito fundamental merece interpretação de melhor quilate.
A segunda opção é considerar que a coisa julgada no mandado de segurança coletivo segue o modelo da coisa julgada do mandado de segurança individual, que é secundum eventum probationis. A opção é aceitável, mas não é conveniente. É que o módulo probatório do mandado de segurança é exclusivamente documental. Pode acontecer de a decisão denegatória do mandado de segurança basear-se na prova produzida (denega-se por ausência de direito, e não por ausência de prova documental): nesse caso, há coisa julgada material, a despeito do juízo de improcedência. Mesmo se o impetrante obtiver outra prova documental, não poderá renovar a sua demanda, por mandado de segurança ou por qualquer outro procedimento. Há coisa julgada.
A terceira opção parece ser a mais simples e, talvez por isso mesmo, a mais correta. Diante da lacuna, busca-se no microssistema a solução para o impasse. O modo de produção da coisa julgada no mandado de segurança coletivo é o mesmo previsto genericamente para as ações coletivas e está regulado no art. 103 do CDC: secundum eventum probationis, sem qualquer limitação quanto ao novo meio de prova que pode fundar a repropositura da demanda coletiva, e sua extensão subjetiva será secundum eventum litis, sem prejuízo das pretensões dos titulares de direitos individuais, mesmo no caso de desistência do processo prevista no § 1º do mesmo, já que sabidamente a desistência não embaça repropositura da demanda (art. 267, VIII do CPC).
Trata-se de solução mais adequada, porque mantém a coerência do sistema e evita o retrocesso em tema de mandado de segurança, que é um direito fundamental.
Fredie Didier Jr.
Hermes Zaneti Jr.