O STJ, na trilha da orientação consolidada pelo STF, já manifestou entendimento no sentido de não ser aplicável o enunciado 343 da Súmula do STF também quando violada norma infraconstitucional. Como o STJ ostenta a função de intérprete autêntico da norma infraconstitucional, a interpretação que for por ele fixada é a que deve prevalecer, sendo ilegal toda e qualquer decisão proferida em sentido contrário, ainda que anterior ao entendimento fixado pelo STJ e mesmo que controvertido, à época do julgamento rescindendo, o entendimento a respeito da interpretação a ser dada à norma infraconstitucional.
Convém transcrever os itens 2, 3 e 4 da ementa do STJ, 1ª T., REsp n. 1.026.234/DF, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 27.5.2008, publicado no DJe de 11.6.2008:
2. Ao criar o STJ e lhe dar a função essencial de guardião e intérprete oficial da legislação federal, a Constituição impôs ao Tribunal o dever de manter a integridade do sistema normativo, a uniformidade de sua interpretação e a isonomia na sua aplicação. O exercício dessa função se mostra particularmente necessário quando a norma federal enseja divergência interpretativa. Mesmo que sejam razoáveis as interpretações divergentes atribuídas por outros tribunais, cumpre ao STJ intervir no sentido de dirimir a divergência, fazendo prevalecer a sua própria interpretação. Admitir interpretação razoável, mas contrária à sua própria, significaria, por parte do Tribunal, renúncia à condição de intérprete institucional da lei federal e de guardião da sua observância.
3. Por outro lado, a força normativa do princípio constitucional da isonomia impõe ao Judiciário, e ao STJ particularmente, o dever de dar tratamento jurisdicional igual para situações iguais. Embora possa não atingir a dimensão de gravidade que teria se decorresse da aplicação anti-isonômica da norma constitucional, é certo que o descaso à isonomia em face da lei federal não deixa de ser um fenômeno também muito grave e igualmente ofensivo à Constituição. Os efeitos da ofensa ao princípio da igualdade se manifestam de modo especialmente nocivos em sentenças sobre relações jurídicas de trato continuado: considerada a eficácia prospectiva inerente a essas sentenças, em lugar da igualdade, é a desigualdade que, em casos tais, assume caráter de estabilidade e de continuidade, criando situações discriminatórias permanentes, absolutamente intoleráveis inclusive sob o aspecto social e econômico. Ora, a súmula 343 e a doutrina da tolerância da interpretação razoável nela consagrada têm como resultado necessário a convivência simultânea de duas (ou até mais) interpretações diferentes para o mesmo preceito normativo e, portanto, a cristalização de tratamento diferente para situações iguais. Ela impõe que o Judiciário abra mão, em nome do princípio da segurança, do princípio constitucional da isonomia, bem como que o STJ, em nome daquele princípio, também abra mão de sua função nomofilácica e uniformizadora e permita que, objetivamente, fique comprometido o princípio constitucional da igualdade.
4. É relevante considerar também que a doutrina da tolerância da interpretação razoável, mas contrária à orientação do STJ, está na contramão do movimento evolutivo do direito brasileiro, que caminha no sentido de realçar cada vez mais a força vinculante dos precedentes dos Tribunais Superiores.
Trata-se de julgamento paradigmático.
Mas foram acolhidos os embargos de divergência interpostos contra esse acórdão, reformando-se a decisão da Turma do STJ (rel. Herman Benjamin, j. em 13.05.2009).
Aparentemente, portanto, o precedente teria perdido a sua importância, exatamente porque fora substituído por outra decisão.
Sucede que a decisão dos embargos de divergência não enfrentou o tema da relativização da aplicação do n. 343 da súmula do STF nos casos em que a controvérsia já tenha sido pacificada pelo STJ. Os embargos de divergência foram acolhidos para reformar a conclusão a que chegou a 1ª Turma, no mencionado acórdão, sobre a questão principal discutida; reviu-se, portanto, a solução de mérito sobre a correta interpretação da lei federal; a Seção, no julgamento dos embargos de divergência, deu uma solução de mérito distinta daquela que fora dada pela Turma. A questão da relativização da súmula 343 não foi enfrentada. Enfim, o acórdão proferido no REsp n. 1.026.234, não obstante tenha sido reformado, ainda é muito relevante, pois aponta para uma transformação da jurisprudência consolidada sobre a aplicação do inciso V do art. 485 do CPC. Está-se diante de um verdadeiro signaling do Superior Tribunal de Justiça, que assinala o provável overruling de sua jurisprudência.
De todo modo, convém dizer que a ação rescisória, neste caso, somente será admissível quando o posicionamento firmado pelo STJ for anterior à decisão transitada em julgado; se à época da decisão rescindenda havia controvérsia em torno da interpretação da regra legal, não se admite a rescisão da sentença, que se configuraria, no caso, grave ameaça à segurança jurídica.