Editorial 61

O par. ún. do art. 20 do Código Eleitoral brasileiro contém regra muito interessante sobre a argüição de suspeição do órgão jurisdicional: “Será ilegítima a suspeição quando o excipiente a provocar ou, depois de manifestada a causa, praticar ato que importe aceitação do argüido”.
Trata-se de regra que visa tutelar a boa-fé em tema de argüição de suspeição.


Considera-se abusivo alegar suspeição se ela for provocada pela parte. A “indução” da suspeição é prática freqüente no foro. Tem o propósito de burlar a garantia do juiz natural, com a remessa dos autos ao juiz substituto. A parte que tem esse objetivo passa a praticar atos temerários no processo, dando motivo a diversas decisões contrárias a seus interesses. Essa série de decisões negativas cria um clima de animosidade no processo, sendo o indício de que se precisava para a argüição da suspeição. Não raro a parte promove uma representação administrativa contra o juiz para, em seguida, alegar que, em razão disso, o juiz perdeu a sua parcialidade.


Não se podem tolerar tais condutas. É comportamento desleal, nítido exemplo de abuso de direito processual, vedado pela cláusula geral de proteção da boa-fé processual (art. 14, II, CPC).


O Código Eleitoral também reputa ilegítima a alegação de suspeição se a parte argüente já houver praticado atos processuais que signifiquem aceitação do órgão jurisdicional. Veda-se aqui, como se vê claramente, o comportamento contraditório (venire contra factum proprium): tendo aceitado o órgão jurisdicional, com a prática de atos que revelem essa aceitação, a parte não pode em seguida levantar a sua suspeição. Mais uma vez se impede o abuso do direito processual.


A regra pode ser aplicada por analogia ao processo civil. Não bastasse ser possível extrair a proibição dessas condutas do princípio da boa-fé processual, a previsão de regra expressa neste sentido, e que pode ser aplicada analogicamente, é útil, pois evita maiores discussões quanto à compreensão da mencionada cláusula geral e o seu corolário: a proibição do abuso do direito processual.

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