Editorial 53

O art. 301 do CPC determina que cabe ao réu, antes de discutir o mérito da causa, apresentar a sua defesa contra a admissibilidade do processo, apontando os vícios que porventura comprometam a validade do procedimento. Assim, as defesas do réu deveriam ser apresentadas em forma de cumulação imprópria: primeiro as defesas de admissibilidade e, em seguida, para o caso de não-acolhimento delas, as defesas de mérito.


A regra parte da premissa teórica da primazia das questões de admissibilidade em relação às questões de mérito. Nesse sentido, a análise daquelas deve preceder à análise dessas.


A previsão normativa merece uma aplicação não literal.


Primeiramente, é preciso compreender os requisitos de admissibilidade do processo como requisitos de validade. A falta de um requisito de validade somente pode gerar inadmissibilidade (invalidade do procedimento) se houver prejuízo ao interesse protegido pela exigência formal que foi desrespeitada. É por isso que o § 2º do art. 249 do CPC determina que “quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta”. A falta de um requisito de admissibilidade que visa proteger o réu pode ser ignorada, por exemplo, se o órgão jurisdicional puder julgar improcedente a demanda. Aquela suposta primazia não é, portanto, absoluta.


Em segundo lugar, é preciso notar que um julgamento de improcedência do pedido pode ser mais interessante ao réu do que uma extinção sem resolução do mérito, tendo em vista a aptidão que a primeira decisão possui para tornar-se indiscutível pela coisa julgada material.


Ora, se em relação ao objeto litigioso do processo, composto pelo conjunto das postulações de autor e réu, vigora no Direito brasileiro o princípio dispositivo, não parece possível, sob pena de ofensa à liberdade, impor-se ao demandado, sempre, a opção pela decisão terminativa em detrimento de uma decisão definitiva que lhe seja favorável. Cabe ao demandado proceder a essa escolha, assim como cabe ao demandante estabelecer a ordem de prioridade dos pedidos na cumulação subsidiária (art. 289 do CPC).


É claro que nem sempre isso será possível; por exemplo: se o juízo é incompetente, não será possível julgar improcedente o pedido. Mas se falta um requisito processual objetivo de validade (pagamento de custas ou escolha correta do procedimento), por que não permitir que o réu prefira a decisão de improcedência em vez da decisão terminativa (sem exame do mérito)? É sempre muito difícil explicar porque o réu pretende, em primeiro lugar, a extinção sem exame de mérito, que permite a repropositura da demanda pelo autor, e, somente subsidiariamente, a improcedência do pedido, decisão que pode resolver o conflito definitivamente.


A questão tem alguma repercussão prática.


Como é sabido, se já houver resposta do réu, o autor somente pode desistir do processo com o consentimento do demandado. Afirma-se que, se o demandado pedira a extinção do processo sem resolução de mérito, não será possível negar consentimento à desistência, em razão da proibição de venire contra factum proprium. Se a extinção do processo sem análise do mérito é seu desejo, não pode o réu opor-se à eficácia da desistência do autor, que, enfim, é a concretização da vontade do demandado. Aplicado literalmente o art. 301, a defesa de admissibilidade do réu seria sempre prioritária em relação à defesa de mérito, impedindo, assim, que o réu se oponha à homologação da desistência. Caso o réu tivesse apresentando uma defesa de mérito como defesa principal, a ele seria lícito negar o consentimento à homologação da desistência, exatamente porque o seu principal objetivo é, em primeiro lugar, a obtenção de uma sentença desfavorável ao autor.


Reforça-se, aqui, o se vem repetindo em textos e palestras: a primazia é do julgamento do mérito. A extinção sem resolução do mérito deve ser encarada como uma manifestação de crise do processo, conforme célebre pensamento doutrinário.


Fredie Didier Jr.
Em 26.11.2008.

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