Editorial 41

Como se sabe, exige-se a repercussão geral da questão discutida em recurso extraordinário (art. 102, § 3º, CF/88).

A Lei 11.418/2006 introduziu o art. 543-A no CPC, que, em seu § 3º, trouxe hipótese de presunção absoluta de repercussão geral: sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. A presunção é plenamente justificável, pois reforça a força vinculativa das decisões do STF, não somente daquelas incluídas em enunciado de súmula vinculante (já protegidas de maneira enérgica pela permissão de utilização da reclamação constitucional), mas também dos enunciados de súmula não-vinculante (“súmula simples”) e à jurisprudência dominante não-sumulada.

Recentemente, o STF, interpretando esse dispositivo, proferiu interessante decisão: “INTERPRETAÇÃO DO ART. 543-A, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL C/C ART. 323, § 1º, DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Não se presume a ausência de repercussão geral quando o recurso extraordinário impugnar decisão que esteja de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, vencida a Relatora. 2. Julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários n. 563.965, 565.202, 565.294, 565.305, 565.347, 565.352, 565.360, 565.366, 565.392, 565.401, 565.411, 565.549, 565.822, 566.519, 570.772 e 576.220.” (Acórdão na Repercussão Geral no RE 563.965/RN, rel. Min. Carmen Lúcia, j. 20/3/2008, DJe 070).

Perceba a diferença: o caso envolvia recurso contra decisão que estava em conformidade com o posicionamento do STF.

Se a decisão recorrida estiver de acordo com a jurisprudência ou a súmula do STF, não significa que falte ao recurso extraordinário repercussão geral. Estando a decisão de que se recorre em conflito com a jurisprudência do STF, há, como visto, presunção absoluta de repercussão geral. Se, ao contrário, a decisão recorrida estiver de acordo com o entendimento da Suprema Corte, não quer isto dizer que haja presunção de falta de repercussão geral. Neste último caso, deve o recorrente demonstrar a existência de repercussão geral, provocando a manifestação do STF, o qual poderá, até mesmo, modificar seu entendimento, seja porque o contexto do momento impõe a mudança da orientação anteriormente firmada (o que caracteriza o chamado overruling), seja porque o caso contém peculiaridade que exige o afastamento ou a não aplicação do entendimento já assentado (caracterizando o chamado distinguishing).

É relevante fazer essa observação, pondo em destaque esta última hipótese. A circunstância de a decisão recorrida conformar-se com o entendimento do STF não afasta, necessariamente, a existência de repercussão geral, o que evita o temido “engessamento” da jurisprudência e contribui para a constante revisitação de temas cuja solução pode variar ao sabor das contingências sociais, políticas, econômicas ou jurídicas, sobretudo porque o STF adota a chamada interpretação concreta do texto constitucional a que aludem autores do porte de Friedrich Müller e Konrad Hesse, de sorte que as normas constitucionais devem ser interpretadas de acordo com o contexto do momento.


Fredie Didier Jr.
Leonardo José Carneiro da Cunha

Em 08.07.2008.

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