Regime processual da convenção de arbitragem. Análise do § 4º do art. 301 do CPC.
A existência de convenção de arbitragem em torno do objeto litigioso impede o exame do mérito pelo órgão jurisdicional. A não-existência de convenção de arbitragem é requisito processual de validade do procedimento. É por isso que, constatado esse fato, o processo deve ser extinto sem exame do mérito (art. 267, VII, CPC).
A convenção de arbitragem, como se sabe, é gênero de cláusula contratual que tem duas espécies: a cláusula compromissória, em que os contratantes decidem que qualquer conflito futuro em torno do negócio deverá ser resolvido por árbitro, e o compromisso arbitral, pelo qual os contratantes decidem que determinado conflito já existente deve ser resolvido no juízo arbitral.
Costuma-se dizer que a verificação dos pressupostos processuais pode ser feita a qualquer tempo pelo órgão jurisdicional (art. 267, § 3º, CPC, c/c art. 301, § 4º, CPC).
Em relação à convenção de arbitragem, porém, há uma controvérsia em razão da redação do § 4º do art. 301. A leitura desse dispositivo pode levar à conclusão de que o órgão jurisdicional não pode conhecer de ofício a existência de compromisso arbitral; somente poderia fazê-lo em relação à cláusula compromissória. Eis o texto: § 4º Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo.
Parece que, realmente, o legislador pretendeu distinguir o regime processual de análise das espécies de convenção de arbitragem, dando mais prestígio à cláusula compromissória, ao permitir o conhecimento de ofício de sua existência pelo magistrado. A Lei n. 9.307/1996, que redefiniu a arbitragem no direito brasileiro, procedeu à correção da terminologia de diversos artigos do CPC, substituindo a designação compromisso arbitral, mais específica, por convenção de arbitragem, mais genérica. Não o fez, porém, no § 4º do art. 301, que se refere apenas ao compromisso arbitral. [1]
Assim, para que o órgão jurisdicional extinga o processo em razão da existência de compromisso arbitral, é preciso que haja provocação da parte interessada; para que extinga em razão da existência de cláusula compromissória, não é necessário o requerimento da parte.
Sucede que a questão não pode ser resolvida de maneira tão simples.
Se é certo que a convenção de arbitragem é um negócio jurídico que somente pode ser celebrado por pessoas capazes, para a solução de conflito em torno de direitos disponíveis, é certo também que essas mesmas partes podem fazer um outro negócio que extinga o primeiro, por mútuo consenso. Nada impede que as partes, portanto, façam uma outra convenção, com o objetivo de extinguir a convenção anterior. A autonomia privada, que é a fonte do poder normativo que gera a convenção de arbitragem, tem aptidão para também extingui-la.
Para resolver a questão, partimos da premissa de que existem defeitos processuais que geram invalidação do procedimento ex officio, mas não a qualquer tempo (p. ex., art. 112, par. ún., CPC, c/c art. 114 do CPC), defendida por mim no v. 1 do Curso (9ª ed., p. 252) [2], que existem ao lado dos defeitos que somente geram invalidação por provocação da parte e dos defeitos que geram invalidação ex officio, a qualquer tempo, enquanto o processo estiver pendente.
Pois bem.
O silêncio do demandado quanto à existência da convenção de arbitragem deve ser compreendido como aceitação da proposta tácita feita pelo autor de distrato da convenção de arbitragem anteriormente celebrada. Se se está diante de uma discussão em torno de direitos disponíveis, o que é o caso, essa é a única solução possível à luz do direito fundamental ao auto-regramento da vontade, manifestação do direito à liberdade.
Essa aceitação também pode revelar-se quando o réu, não obstante alegue a existência da convenção de arbitragem (art. 301, IX, CPC), apresente uma reconvenção, em que se discutam questões que também deveriam ser resolvidas por árbitro. Há, aí, comportamento contraditório do réu, conduta ilícita à luz da boa-fé objetiva, que deve orientar o comportamento das partes.
Diante do silêncio do demandando, o órgão jurisdicional não poderá mais extinguir o procedimento em razão da convenção de arbitragem, qualquer que seja a sua espécie.
Antes de ouvir o réu, porém, o magistrado pode extinguir o processo, sem exame do mérito, se constatar a existência de cláusula compromissória, aplicando o § 4º do art. 301, CPC. A extinção em razão da existência de compromisso arbitral somente pode ocorrer se houver requerimento do réu. Se o réu apresentar resposta e omitir-se em relação à existência da convenção de arbitragem, o processo não poderá mais extinguir-se por esse motivo, devendo ser compreendido esse silêncio como aceitação tácita da proposta de revogação bilateral da convenção de arbitragem.
[1] Sobre a discussão, amplamente, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 63-68; CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 387.
[2] Vejamos três casos: i) O magistrado pode invalidar uma citação ex officio, até mesmo porque se trata de um vício transrescisório, mas, se o réu apresentar a sua resposta, e não se manifestar sobre isso, há preclusão da possibilidade de invalidação do procedimento por tal motivo, independemente da verificação de ocorrência do prejuízo; ii) o magistrado pode determinar, de-ofício, a correção da escolha equivocada do procedimento, feita pelo autor, que optou pelo ordinário quando o caso era para o sumário, mas, se o réu apresentar resposta e nada falar a respeito, preclusão; iii) o magistrado pode reconhecer ex officio a sua incompetência em razão da absusividade de uma cláusula de foro de eleição, mas somente pode fazê-lo até a ouvida do réu, sob pena de prorrogação da competência (art. 112, par. ún., c/c art. 114 do CPC).
Fredie Didier Jr.
Em 23 de fevereiro de 2008.