Editorial 20

Alegação pelo executado de excesso de execução. Ônus de declarar o quanto reputa devido. Ponderação sobre a aplicação do § 2º do art. 475-L do CPC.


Em sua defesa, pode o executado alegar excesso de execução, que ocorre, de acordo com o art. 743 do CPC, nas seguintes hipóteses: I) quando o credor pleiteia quantia superior à do título; II) quando recai sobre coisa diversa daquela declarada no título; III) quando se processa de modo diferente do que foi determinado na sentença; IV) quando o credor, sem cumprir a prestação que lhe corresponde, exige o adimplemento da do devedor (art. 582); V) se o credor não provar que a condição se realizou.


Quando o executado alegar que o credor pleiteia quantia superior à do título, segundo o § 2º do art. 475-L, cabe ao impugnante declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação. Trata-se de norma interessante, que impõe um ônus ao executado, sob pena de a sua defesa sequer ser examinada: o ônus de opor a exceptio declinatoria quanti. Não exercida a exceção, há preclusão quanto ao valor da dívida, ressalvado erro de cálculo ou valor absurdo. “Isso decorre da garantia constitucional do tratamento paritário das partes no processo civil (CF, art. 5º, caput): se o exeqüente deve, em seu requerimento, apresentar a memória discriminada e atualizada do débito, o executado, da mesma forma, deve, em suas alegações, apresentar o cálculo que reputa como correto” (LUCON, Paulo. “Nova execução de títulos judiciais e a sua impugnação”. Aspectos polêmicos da nova execução. Teresa Wambier (coord.). São Paulo: RT, 2006, p. 447-448).


Há precedente legislativo semelhante no art. 50 da Lei Federal n. 10.931/2004: “Art. 50. Nas ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia”.


Curiosa, porém, a opção legislativa.


Ao regrar os embargos à execução contra a Fazenda Pública (art. 741 do CPC), instrumento de defesa do Poder Público na execução de sentença ou de título extrajudicial, não há previsão semelhante a essa ora comentada. Assim, poderia o Poder Público embargar a execução, questionando a dívida, mas sem dizer o valor que reputa correto, em conduta que se reputa temerária e procrastinatória. É preciso, então, construir uma interpretação que também atribua ao Poder Público executado o ônus de declinar o valor correto da dívida, quando a sua defesa consistir na alegação de cobrança de valor superior ao devido.


A estranheza é ainda maior quando se percebe a existência do § 5º do art. 739-A, que cuida dos embargos em execução de título extrajudicial (ressalvada contra a Fazenda Pública), que segue a orientação adotada para o regramento da impugnação: “§ 5º Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento”.


É preciso, porém, fazer uma advertência: a regra tem aplicação nos casos em que o valor da execução foi liquidado em fase própria ou unilateralmente, pelo credor, se isso for possível por simples cálculos aritméticos. Acontece, porém, muita vez, uma utilização abusiva da “liquidação unilateral por cálculo do credor”, que se vale desta autorização em situações em que isso não era possível, pois exigiriam a dilação probatória para a verificação da extensão dos prejuízos. Nesses casos, o executado pode ter a certeza de que o valor é despropositado, mas não poder afirmar de pronto quanto deve, exatamente porque é necessária a produção de provas em audiência, como as provas pericial e testemunhal.


Um exemplo talvez demonstre a importância desta ponderação. Imagine uma sentença que condenou o réu a ressarcir os lucros cessantes de uma empresa de transporte de passageiros, pelo fato de ela não ter podido utilizar um de seus ônibus durante um determinado período. Na fase de liquidação, seria preciso provar a média de viagens feitas pelo ônibus em mês, bem como a média da ocupação, tendo em vista determinada rota, a lucratividade do negócio, bem como o percentual de beneficiários que têm direito a transporte gratuito (como idosos) etc. Imagine que o credor, unilateralmente, entendendo tratar-se de situação que permite a “liquidação unilateral”, calcule o valor da obrigação e promova a execução. O executado poderá discutir o “excesso de execução”, mas não terá como apresentar de pronto o valor que entende devido, exatamente porque o cálculo deste montante não prescinde da produção de provas em audiência e, pois, em contraditório.


Fredie Didier Jr.
13 de maio de 2007.

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