A Corte Especial do STJ e os capítulos independentes da decisão recorrida.
Está sendo apreciado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça tema antigo, relevante, mas que ainda suscita muitas dúvidas e julgamentos equivocados. Trata-se do interesse recursal, quando a decisão que inadmite recurso especial tem por fundamento mais de uma hipótese de admissibilidade. Seria possível a interposição de agravo parcial?
No caso em discussão no STJ, o recurso especial veiculou dois fundamentos: a) a decisão seria nula, por violação ao art. 535, II, do CPC/73 (atual art. 1.022, II, do CPC/15) e; b) a decisão deveria ser reformada, diante do apontado error in iudicando. Ou seja, o recorrente arguiu dois fundamentos, cada um suficiente, por si só, a proporcionar a reforma ou a anulação do acórdão impugnado. Tal recurso foi inadmitido, pois a presidência do tribunal de origem entendeu que, quanto ao pedido de anulação, não teria ocorrido omissão, obscuridade ou contradição a justificar o recurso (primeiro capítulo) e, quanto ao pedido de reforma, deveria ser aplicada a súmula 07/STJ (segundo capítulo). Diante desta decisão, a parte interpôs agravo apenas contra a aplicação da súmula 07/STJ (segundo capítulo), não se irresignando contra o juízo relativo ao pedido de cassação da decisão (primeiro capítulo). Optou, pois, pela interposição de um recurso parcial.
Diante desta situação, indaga-se: deveria a parte, necessariamente, impugnar ambos os capítulos da decisão de inadmissibilidade, sob pena de ser reconhecida a falta de interesse recursal (inutilidade)? Não poderia o recorrente desistir da sua alegação de nulidade do acórdão a quo e prosseguir apenas em relação à má apreciação do mérito da demanda?
A essas perguntas o STJ vem respondendo negativamente, inadmitindo agravos em recurso especial em que a parte optou por não prosseguir com a discussão relativa à violação ao art. 535 do CPC/73, sob o fundamento de ser “inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada” (súmula 182/STJ).
O caminho adequado para a solução passa pela percepção de que os pedidos de cassação e de reforma constituem fundamentos autônomos do recurso especial, cada um suficiente, por si só, para anular ou reformar o acórdão impugnado. E se os fundamentos do recurso especial inadmitido são autônomos, é possível que a parte prossiga na discussão de apenas um deles, interpondo agravo (parcial) somente contra um dos capítulos da decisão de inadmissibilidade.
Situação diversa ocorre, no entanto, quando cada fundamento é inadmitido por mais de um vício de formação. Nesse caso, para cada fundamento é preciso impugnar todos os vícios de admissibilidade que lhe digam respeito. Imagine-se a situação em que o recurso especial tenha apenas um fundamento (error in iudicando) e que seja inadmitido por aplicação da súmula 07/STJ (necessidade de revolvimento da matéria fática) e aplicação da súmula 83/STJ (jurisprudência pacificada). Nesse caso, bem diverso do primeiro, está-se diante de vícios de admissibilidade relativos ao mesmo fundamento que, se não impugnados conjuntamente, conduzirão à inutilidade do recurso. Cada vício é suficiente, por si só, para manter a decisão recorrida. Trata-se de lógica semelhante à da súmula 126/STJ (“É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”). Sobre o tema, DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de direito processual civil. v. 3, 13. ed. reform. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 333-336.
Em suma, se o recurso especial veicula fundamentos autônomos, cada um suficiente para conferir a invalidação ou a reforma do julgado, os requisitos de admissibilidade devem ser analisados em relação a cada fundamento, gerando uma decisão com capítulos independentes entre si. Por consequência, pode a parte impugnar apenas um ou ambos os capítulos.
Perceba-se, inclusive, que sequer seria necessário que o recurso especial veiculasse todos os fundamentos, sendo possível que, desde o início, tivesse invocado apenas um deles (reforma ou anulação).
Voltando para o caso em análise da Corte Especial do STJ, se o recurso especial da parte veiculava um pedido de invalidação (violação ao art. 535, CPC/73) e um pedido de reforma (error in iudicando) do acórdão de origem, trata-se de situação em que há fundamentos autônomos, cada um suficiente para anular ou reformar a decisão impugnada. Como o recurso especial foi inadmitido, é plenamente possível que a parte impugne apenas os vícios de admissibilidade relativos ao error in iudicando, deixando precluir o capítulo da decisão relativo à violação do art. 535 do CPC/73.
Reitere-se: neste caso, os capítulos da decisão de inadmissibilidade são independentes entre si, sendo uma faculdade da parte impugnar ambos os capítulos ou apenas um.
O relator, Min. João Otávio de Noronha, bem entendeu a referida distinção e votou pela admissibilidade do agravo parcial em recurso especial. Esperemos que tal posicionamento prevaleça, evitando-se a equivocada aplicação da súmula 182/STJ em prejuízo dos jurisdicionados.
Em 07.08.2017.
Fredie Didier Jr.
Paulo Mendes de Oliveira