Editorial 185

Execução de multa coercitiva imposta por decisão interlocutória. Análise de posicionamento recente do STJ.

A multa coercitiva é apenas uma dentre as várias medidas coercitivas que podem ser utilizadas como forma de compelir alguém ao cumprimento de determinada prestação. É uma técnica de coerção indireta, embora não a única, mas acaba sendo a principal, justamente por ser a mais utilizada na prática do Judiciário brasileiro. Ela possui caráter coercitivo, não sendo nem indenizatória e nem punitiva e, além disso, seu valor reverte em favor da parte adversária.

Dentre as diversas polêmicas envolvendo o assunto, há a questão do momento em que a decisão que fixa a multa poderá ser executada.

Uma primeira corrente, defendida, entre outros, por Eduardo Talamini [TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, Art. 561 e 461-A; CDC, Art. 84). 2ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 258], sustenta a possibilidade da exequibilidade imediata da multa, desde que a decisão que a impõs não esteja sujeita a recurso com efeito suspensivo ope legis. Assim, se a multa foi fixada em decisão interlocutória, da qual caberia agravo de instrumento, cujo efeito suspensivo é ope judicis, seria possível a execução provisória do crédito da multa. Caso a decisão seja revertida, a multa não será mais devida e eventuais prejuízos devem ser ressarcidos pelo exequente.

A execução provisória possui, por óbvio, caráter provisório. A execução definitiva da multa dependerá do trânsito em julgado da decisão favorável àquele beneficiado pela multa, que reconheça a existência do direito material. Ou seja, a multa depende da confirmação da existência relação jurídica de direito material e sua execução definitiva depende da formação da coisa julgada material em favor do seu beneficiário.

Uma segunda corrente, adotada por autores como Joaquim Felipe Spadoni, trata a multa como um direito autônomo e, por isso, a sua existência não seria influenciada por eventual revogação da antecipação da tutela. Nessa linha, haveria a possibilidade de execução definitiva da multa, independentemente do resultado final do processo favorável à parte que obteve a decisão provisória (SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC. São Paulo: RT, 2002, p. 182). Ocorre que a multa não é um direito autônomo, mas uma técnica para a satisfação do direito material. Caso este não seja, ao fim, reconhecido, admitir a manutenção da multa seria permitir um enriquecimento ilícito do seu beneficiário.

Uma terceira corrente, com destaque para Luiz Guilherme Marinoni, entende que o valor da multa apenas poderá ser cobrado após o trânsito em julgado da decisão final e desde que esta confirme a antecipação em que se cominou a medida coercitiva (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica. 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p.111). Essa posição doutrinária é a que concede menor efetividade à decisão da multa. Sendo adotada, a multa pode ser cominada, mas toda e qualquer execução dependerá do trânsito em julgado favorável ao beneficiário da multa. Em outras palavras, não existiria execução provisória da multa, mas apenas definitiva.

O posicionamento aqui adotado é o de Eduardo Talamini, no sentido de que a multa fixada em decisão que concede tutela antecipada pode ser executada imediatamente, mas sob o regime da execução provisória. A execução definitiva dependerá da confirmação do direito material do beneficiário da multa, com o trânsito em julgado da decisão final. Se, por algum motivo, for reformada a decisão ou ocorrer a extinção do processo sem resolução do mérito, o direito à multa é extinto, devendo haver o ressarcimento pelo beneficiário da multa à parte prejudicada pela execução provisória (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso de direito processual civil. 6ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2014, p. 457).

Esse é o mesmo posicionamento adotado pelo NCPC, na versão da Câmara dos Deputados, quando afirma, no § 3º do art. 551: “O cumprimento definitivo da multa depende do trânsito em julgado da sentença favorável à parte; a multa será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado. Permite-se, entretanto, o cumprimento provisório da decisão que fixar a multa, quando for o caso”. A multa fixada em decisão provisória pode ser executada de imediato, mas em caráter provisório. Sua execução definitiva dependerá do trânsito em julgado da sentença favorável à parte beneficiada pela multa.

Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça optou, contudo, por uma corrente intermediária, não adotando nenhuma das correntes acima mencionadas. A Corte considera inexigível a multa fundada em decisão interlocutória, com cognição provisória, mas também não exige o trânsito em julgado da decisão final para que possa ser executada.

Segundo o STJ, a necessidade de uma decisão com cognição exauriente prestigiaria a segurança jurídica e evitaria que a parte se beneficiasse de quantia que, posteriormente, viesse a ser reconhecida como indevida, reduzindo, dessa forma, o inconveniente de um eventual pedido de repetição de indébito que, por vezes, não se mostra exitoso.

Ademais, no entendimento manifestado pelo STJ, o termo “sentença”, assim como utilizado nos arts. 475-O e 475-N, I, do CPC, deveria ser interpretado de forma restrita, razão pela qual seria inadmissível a execução provisória de multa fixada por decisão interlocutória em antecipação dos efeitos da tutela, ainda que ocorra a sua confirmação por acórdão.

A ratificação de decisão interlocutória que arbitra multa cominatória por posterior acórdão, em razão da interposição de recurso contra ela interposto, continuará tendo em sua gênese apenas a análise dos requisitos de prova inequívoca e verossimilhança, próprios da cognição sumária que justificam o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela. De modo diverso, a confirmação por sentença da decisão interlocutória que impõe multa cominatória decorre do próprio reconhecimento da existência do direito material reclamado que lhe dá suporte, o qual é apurado após ampla dilação probatória e exercício do contraditório. Havendo uma decisão com cognição exauriente, o risco de reforma da multa e, por conseguinte, da sobrevinda de prejuízo à parte contrária em decorrência de sua cobrança prematura, seria reduzido após a prolação da sentença, diferentemente da hipótese em que a execução ainda esteja amparada em decisão interlocutória proferida no início do processo, inclusive no que toca à possibilidade de modificação do seu valor ou da sua periodicidade.

Esse entendimento já havia sido adotado pela 4ª Turma, no REsp n. 1.347.726/RS, rel. Min. Marco Buzzi, j. 27.11.2011. Ao julgar o REsp n. 1.200.856-RS, o STJ, agora por sua Corte Especial, reafirma o entendimento em julgamento de recurso repetitivo proferido em 1º de julho de 2014, uniformizando a matéria.

Não nos parece que esse entendimento seja o mais adequado.

Uma multa cuja exigibilidade fica sujeita à confirmação da sentença de mérito é inefetiva. A ameaça ao patrimônio do réu é apenas potencial, sendo incapaz de pressioná-lo a cumprir a prestação determinada pelo magistrado.

Além do mais, tem-se um contrassenso com a própria lógica da antecipação de tutela de uma quantia em dinheiro, que pode ser executada provisoriamente de imediato. Nunca se cogitou haver uma antecipação da tutela de pagar e esperar o julgamento definitivo para a sua execução provisória. O inconveniente da eventual reforma da decisão é inerente ao exercício de uma cognição de cunho provisório. Não se pode tomar como base esse raciocínio para impedir a execução provisória imediata da multa, pois tal raciocínio poderia ser aplicado a qualquer antecipação da tutela, minando por completo a sua efetividade.

Se houve a cominação da multa, esta pode e deve ser exigida de imediato, mesmo que em caráter provisório. Sobrevindo uma eventual reforma da decisão, haverá responsabilidade objetiva do exequente, que deverá ressarcir o executado no valor do prejuízo.

Por mais que o entendimento do STJ tenha o mérito da preocupação com a existência do direito material para a efetivação da multa, a postecipação da sua execução provisória para a sentença definitiva atenta contra a efetividade da própria antecipação da tutela. Não faz sentido que se antecipe o direito a uma prestação, mas que a medida coercitiva a ela conexa e que visa a sua implementação, só possa ser, de fato, exigida após a prolação de uma decisão com cognição exauriente. É como se um pai antecipasse o carro que iria dar de presente para o filho, mas não desse a chave, que é essencial para a fruição do veículo.

No julgado, ainda se fez referência ao fato de que o termo “sentença”, tal como utilizado nos arts. 475-O e 475-N, I, do CPC, deveria ser interpretado de forma restrita. É preciso destacar que, caso essa interpretação venha a ser utilizada em outros casos, não apenas as decisões que determinem a cominação de multa coercitiva teriam a execução provisória dependente da sentença definitiva, mas também toda decisão interlocutória que reconheça o direito a uma prestação, seja de antecipação de tutela, seja uma decisão interlocutória fundada em cognição exauriente, como a que resolve parcialmente o mérito da causa.

Muito embora esta argumentação seja mero obiter dictum, causa espanto imaginar que ela pode ser estendida a outras hipóteses. Será que, a partir de agora, toda e qualquer decisão interlocutória que antecipe a tutela deverá esperar a sentença, detentora de cognição exauriente? Será que a decisão interlocutória que resolva defintivamente parte do mérito não é título executivo, por ser interlocutória? Se assim for, o STJ acabou de retirar toda a efetividade da antecipação da tutela e das decisões parciais. Simplesmente não seria mais possível a execução provisória de uma decisão interlocutória.

O posicionamento do STJ atua no sentido de mitigar a efetividade dessa medida coercitiva tão importante na prática processual. Apenas a possibilidade da execução imediata é capaz de pressionar adequadamente o réu a cumprir a prestação dele exigida. Do contrário, tem-se apenas uma cobrança condicionada. Tudo acaba sendo remetido à sentença definitiva e toda a utilidade da antecipação da tutela é extremamente reduzida.

Em 04.10.2014.

Fredie Didier Jr.

Leonardo Carneiro da Cunha

Ravi Peixoto

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