Editorial 176

Exame da lei federal à luz da Constituição. A função do STJ. Recente precedente. No Brasil, a divisão de competências entre os tribunais superiores causa algumas peculiaridades em nossono sistema recursal. Enquanto o STJ é o tribunal competente para a fixação da interpretação da lei federal, ao STF cabe fixar o entendimento de matérias constitucionais. Com isso, de num mesmo acórdão, quando há fundamentos autônomos, um de é veiculada matéria infraconstitucional e matéria outro, de índole constitucional, ambas como fundamentos autônomos, cabe ao recorrente se utilizar de formainterpor concomitantemente do recurso extraordinário e do recurso especial, nos termos dos enunciados n. 126 da súmula do STJ e o de n. 283 da súmula do STF. O problema é que a questão não é tão simples quanto parecem desenhar a jurisprudência e a doutrina. Na atualidade, é reconhecido o fenômeno da constitucionalização do direito infraconstitucional, trazendo consigo um novo paradigma de interpretação, o que acaba por gerar situações um tanto quanto curiosas. Digamos Imagine-se que um mesmo acórdão verse, a um só tempo, sobre matérias infraconstitucional e matéria constitucional, mas a alegação de violação não é propriamente à constituição, de forma direta, mas sim reflexa. Sabemos Sabe-se que o STF não admite a utilização do recurso extraordinário nesses casos. O que deve fazer o sucumbente? A quem caberá realizar a filtragem constitucional da legislação? O STJ parece ter se incumbido desse dever. No informativo 527 do STJ, consta notícia relativa ao julgamento especificamente ndo Recurso Especial n. 1.335.153, tivemos um precedente bastante relevante para o direito civil, relativo ao direito ao esquecimento. Para os moldes desse editorial, basta ao leitor saber que ele se refere ao direito das partes de serem esquecidas pela imprensa de delitos cometidos anteriormente e que essa criação jurisprudencial tem natureza constitucional. Mas, de qualquer forma, ela advém de uma releitura da legislação infraconstitucional, no caso, do direito civil. Nesse mesmo informativo – e no mesmo precedente –Naquele julgamento, foi também discutida a questão da atuação do STJ em matéria constitucional. É que, na hipótese, tratou-se do chamado “direito ao esquecimento”, ou seja, o direito de alguém de ser “esquecido” pela imprensa de delitos cometidos anteriormente. Para que se conclua pelo “direito ao esquecimento”, é necessária para que se chegasse ao resultado “direito ao esquecimento”, seria necessária uma filtragem constitucional do direito à imagem, à luz do princípio da dignidade humana. Mas pensaria o exegeta: isso não é matéria infraconstitucional, é competência do STF! O novo paradigma do direito acaba por tornar o fenômeno jurídico um tanto quanto complexo. Em casos como esse, em que é necessária uma leitura constitucional, não haverá uma usurpação da competência do STF pelo STJ, mas sim uma análise hermenêutica não isolada do texto normativo infraconstitucional. Do contrário, o STJ ficaria preso a um paradigma de teoria do direito superado. Ficaria limitado a uma argumentação infraconstitucional, que não permitiria uma interpretação adequada do texto. Como bem restou fixado no precedente da 2ª Seção, “não parece possível ao STJ analisar as demandas que lhe são submetidas sem considerar a própria CF, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Constituição.” Isso ocorrerá principalmente nos casos em que haja uma influência transversal da constituiçãoConstituição, em que não seria provavelmente admitido o recurso extraordinário. Dessa forma, quando houver a necessidade de utilização de uma leitura constitucional prévia a à apreciação do mérito da causa, deverá o STJ realizá-la, sob pena de se manter sob um paradigma de interpretação atrasado, desfocado e descontextualizado. Essa situação, em que o STJ será obrigado a utilizar-se de uma argumentação constitucional, ainda é reforçada pela emenda constitucional n. 45/2004, conforme reconhecido no Resp n. 1.335.153. Com a introdução do requisito da repercussão geral, não será mais toda e qualquer matéria constitucional apta a ser impugnada por meio do Recurso Extraordinário. Ao STJ, por vezes, será cada vez mais necessário enfrentar matérias constitucionais quando não for reconhecida a repercussão geral de determinada matéria, sob pena de entregar uma decisão pela metade ao recorrente. É patente que vivemos tempos atuais são de grandes mudanças em termos da divisão de competência recursal entre o STF e o STJ, havendo a criação de alguns paradoxos recursais. A mudança do paradigma de interpretação e a introdução da Repercussão Geral acabam por reforçar o papel institucional dos demais órgãos do Poder Judiciário no contexto do sistema do controle de constitucionalidade. Como dito pelo professor Franciso de Barros e Silva Neto, torna-se “necessário desfazer o nexo – cada vez mais forte – entre a questão constitucional e a competência do Supremo Tribunal Federal” (NETO, Francisco de Barros e Silva. “Paradoxos do recurso extraordinário como ferramenta do direito processual constitucional”. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Questões atuais sobre os meios de impugnação contra decisões judiciais. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 56.). Em 16.10.2013 Fredie Didier Jr. Leonardo Carneiro da Cunha Ravi Peixoto
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