Editorial 162

Ainda a legitimidade e a capacidade postulatória do Ministério Público estadual: uma alvissareira decisão do STJ No Editorial 159, comentamos recente decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a legitimidade e a capacidade postulatória do Ministério Público estadual e boa parte do que ali foi escrito se aplica a uma importante decisão do Superior Tribunal de Justiça, que aponta para uma alvissareira modificação jurisprudencial: “1.É sabido que esta Corte Superior de Justiça até aqui ampara a tese de que o Ministério Público Estadual não é parte legítima para atuar perante os Tribunais Superiores, uma vez que tal atividade estaria restrita ao Ministério Público Federal. 2. O Ministério Público dos Estados não está vinculado nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante esta Corte Superior de Justiça. 3. Não permitir que o Ministério Público Estadual atue perante esta Corte Superior de Justiça significa: (a) vedar ao MP Estadual o acesso ao STF e ao STJ; (b) criar espécie de subordinação hierárquica entre o MP Estadual e o MP Federal, onde ela é absolutamente inexistente; (c) cercear a autonomia do MP Estadual; e (d) violar o princípio federativo. 4. A atuação do Ministério Público Estadual perante o Superior Tribunal de Justiça não afasta a atuação do Ministério Público Federal, um agindo como parte e o outro como custos legis. 5. Recentemente, durante o julgamento da questão de ordem no Recurso Extraordinário nº 593.727/MG, em que discutia a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público, decidiu-se pela legitimidade do Ministério Público Estadual atuar perante a Suprema Corte. 6. Legitimidade do Ministério Público Estadual para atuar perante esta Corte Superior de Justiça, na qualidade de autor da ação, atribuindo efeitos prospectivos à decisão. […]” (AgRg no AgRg no AREsp 194.892-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24/10/2012 – transcrição parcial da ementa). Registre-se que, em diversas decisões anteriores, considerou-se que apenas o Ministério Público federal poderia atuar perante o STJ (exemplos: AgRg nos EREsp 1162604/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Primeira Seção, julgado em 23/05/2012, DJe 30/05/2012; AgRg na SLS 828/CE, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 12.2.2009), o que, além de impor uma heterodoxa subordinação entre os diversos Ministérios Públicos, numa particular interpretação do conceito de unidade institucional, acarretava uma série de embaraços e perplexidades processuais. Com efeito, permitia-se ao Ministério Público estadual a interposição de recursos extraordinários, mas, a partir do ingresso dos autos naquele Tribunal, todos os atos processuais se restringiam à iniciativa do Ministério Público federal, ensejando uma relação assimétrica a partir de um desvio de perspectiva na compreensão da legitimidade e das capacidades daquelas instituições. É interessante observar que o Ministério Público, mesmo após a Constituição de 1988, ainda não é percebido como um personagem multifacetado no processo civil, com toda uma nova dimensão jurídica advinda de diversos textos normativos e da própria prática institucional, como mencionamos no Editorial anterior. Essa visão restritiva da jurisprudência decorre também de um certo silêncio da doutrina, que, em linhas gerais, persiste na análise da Instituição apenas na tradicional função de custos legis, salvo quando se abordam questões envolvendo a legitimidade para ações coletivas. Se houve evidente modificação do Ministério Público, com necessárias repercussões processuais, a manutenção de uma interpretação “retrospectiva” é incompatível com uma realidade que, se não é exatamente nova, exige um tratamento compatível com tais transformações. Barbosa Moreira chegou a afirmar que o silêncio da Instituição no processo civil teria sido interrompido exatamente em razão do processo coletivo, que ensejou a “revitalização do Ministério Público, arrancado à relativa quietude em que usualmente o mantinham, no tocante ao processo civil, as atribuições tradicionais” (Os novos rumos do processo civil brasileiro. Temas de Direito Processual (Sexta Série). São Paulo: Saraiva, 1997, p. 73). Entretanto – e o julgado ora mencionado bem exemplifica isto –, não basta concentrar tintas na legitimidade do Ministério Público para os processos coletivos, se outras dimensões continuam negligenciadas pela doutrina e jurisprudência. Em suma, nossa intenção é apenas a de divulgar uma decisão que, por seu conteúdo e simbolismo, indica um caminho jurisprudencial que compreenda melhor a complexidade do Ministério Público.

Em 27 de dezembro de 2012.

Fredie Didier Jr. Robson Renault Godinho

Este site usa cookies para lhe oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar neste site, você concorda com o uso de cookies.