Editorial 16

Reclamação constitucional por desrespeito a decisão do STF proferida em controle difuso-incidental. Recente manifestação do STF a respeito.


Em artigo escrito em 2005, mas publicado em 2006, defendi que o controle difuso (incidental) de constitucionalidade estava sofrendo uma transformação no direito brasileiro. Quando feito pelo plenário do STF, as decisões passariam a ter força vinculativa para outros casos semelhantes, extrapolando os limites subjetivos da causa em que foram proferidas (“Transformações do recurso extraordinário”. Processo e constituição. Teresa Wambier, Nelson Nery Jr. e Luix Fux (coord.). São Paulo: RT, 2006; Reforma do Poder Judiciário. Fredie Didier Jr., Edvaldo Brito e Saulo José Casali Bahia (coord.). São Paulo: Saraiva, 2006). Boa parte desse texto foi incorporada ao v. 3 do meu Curso de Direito Processual Civil, que escrevi com Leonardo Cunha (Curso de Direito Processual Civil. 3ª ed. Salvador: Editora JUS PODIVM, 2007, v. 3, p. 274-280).


Nesses textos, defendi, ainda, a ampliação do cabimento da reclamação constitucional, para os casos de “desrespeito a decisão do STF tomada em controle difuso de constitucionalidade”. Eis o que escrevi: “Tudo isso leva-nos a admitir a ampliação do cabimento da reclamação constitucional, para abranger os casos de desobediência a decisões tomadas pelo Pleno do STF em controle difuso de constitucionalidade, independentemente da existência de enunciado sumular de eficácia vinculante. É certo, porém, que não há previsão expressa neste sentido (fala-se de reclamação por desrespeito a “súmula” vinculante e a decisão em ação de controle concentrado de constitucionalidade). Mas a nova feição que vem assumindo o controle difuso de constitucionalidade, quando feito pelo STF, permite que se faça essa interpretação extensiva, até mesmo como forma de evitar decisões contraditórias e acelerar o julgamento das demandas”.


Pois bem.


Na semana passada, o STF começou o julgamento de uma reclamação, em que se pedia a cassação de decisão que não admitiu a progressão de regime prisional para condenado por crime hediondo, sob o fundamento de que, assim, teria desrespeitado o posicionamento do STF consolidado no HC 82.959, julgado em fevereiro de 2006 (decisão proferida em controle difuso-incidental de constitucionalidade).


O Min. Gilmar Mendes, relator desta reclamação, votou pela procedência do pedido, fundamentando-se, exatamente, na mencionada transformação do papel do controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro. Registre-se que Gilmar Mendes é o grande arauto desta corrente e, como Ministro do STF, coerente com as suas lições, tratou de aplicá-la. O julgamento ainda não terminou, pois o Min. Eros Grau pediu vista. Mas a simples decisão do relator já é um marco, pois ratifica essa mudança paradigmática do controle de constitucionalidade brasileiro.


O acolhimento da reclamação pelo Min. Gilmar Mendes ratifica a tese que defendi há dois anos. Não posso negar a minha satisfação com essa notícia.


Veja abaixo a íntegra do texto publicado no Informativo do STF n. 454, de 07 de fevereiro de 2007:



Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle de Constitucionalidade – 1
O Tribunal iniciou julgamento de reclamação ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos. O Min. Gilmar Mendes, relator, julgou procedente a reclamação, para cassar as decisões impugnadas, assentando que caberá ao juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atendem ou não os requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007.  (Rcl-4335)


Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle de Constitucionalidade – 2
Preliminarmente, quanto ao cabimento da reclamação, o relator afastou a alegação de inexistência de decisão do STF cuja autoridade deva ser preservada. No ponto, afirmou, inicialmente, que a jurisprudência do STF evoluiu relativamente à utilização da reclamação em sede de controle concentrado de normas, tendo concluído pelo cabimento da reclamação para todos os que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias às suas teses, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado. Em seguida, entendeu ser necessário, para análise do tema, verificar se o instrumento da reclamação fora usado de acordo com sua destinação constitucional: garantir a autoridade das decisões do STF; e, depois, superada essa questão, examinar o argumento do juízo reclamado no sentido de que a eficácia erga omnes da decisão no HC 82959/SP dependeria da expedição da resolução do Senado suspendendo a execução da lei (CF, art. 52, X). Para apreciar a dimensão constitucional do tema, discorreu sobre o papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade. Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007.  (Rcl-4335)


Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle de Constitucionalidade – 3
Aduziu que, de acordo com a doutrina tradicional, a suspensão da execução pelo Senado do ato declarado inconstitucional pelo STF seria ato político que empresta eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade proferidas em caso concreto. Asseverou, no entanto, que a amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de se suspender, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, no contexto da CF/88, concorreram para infirmar a crença na própria justificativa do instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado, inspirado numa concepção de separação de poderes que hoje estaria ultrapassada. Ressaltou, ademais, que ao alargar, de forma significativa, o rol de entes e órgãos legitimados a provocar o STF, no processo de controle abstrato de normas, o constituinte restringiu a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.  Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007.  (Rcl-4335)


Reclamação: Cabimento e Senado Federal no Controle de Constitucionalidade – 4
Considerou o relator que, em razão disso, bem como da multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/99, alterou-se de forma radical a concepção que dominava sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a EC 16/65 e a CF 67/69. Salientou serem inevitáveis, portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal. Reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP. Após, pediu vista o Min. Eros Grau.  Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007.  (Rcl-4335)


Fredie Didier Jr.
11 de fevereiro de 2007.

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