Editorial 12

Lei Federal n. 11.382/2006. O direito de o membro da família adjudicar o bem penhorado. A extinção do direito de remir o bem executado. Diferenças entre adjudicar e remir. Confronto do art. 685-A, § 2º, CPC, com o art. 1.482 do Código Civil. Um caso de supressio de direito processual.


O cônjuge, os descendentes ou ascendentes do executado, antes da Lei Federal n. 11.382/2006, poderiam remir o bem penhorado, adquirindo o bem que fora adjudicado ou arrematado, pagando o respectivo preço (art. 787 e segs. do CPC, agora revogados). A remição era instituto que tinha o objetivo de evitar que bens da família saíssem do respectivo patrimônio; o objetivo era “salvar” um bem da execução. “É benefício criado pietatis causa para permitir que, em condições de igualdade, o bem penhorado se transfira para membro da família do devedor e não para estranho” (THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 39ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 2, p. 332). Remir é resgatar, tirar do poder alheio: salvar o bem que seria transferido para o terceiro ou para o exeqüente. Por isso a remição pressupunha prévia adjudicação ou arrematação.


A referência a “cônjuge” inclui, também, por analogia, a figura do companheiro. Havia quem admitisse, no antigo regramento da remição, a legitimidade do cônjuge separado de fato ou de direito, mesmo divorciado, se ainda não houve a partilha (ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 8ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 1.332).


O regramento do instituto no CPC foi revogado pela Lei Federal n. 11.382/2006.


No Código Civil, porém, ainda há previsão do direito potestativo de remir bem hipotecado: “Art. 1.482. Realizada a praça, o executado poderá, até a assinatura do auto de arrematação ou até que seja publicada a sentença de adjudicação, remir o imóvel hipotecado, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido. Igual direito caberá ao cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado”.


Resta, então, a seguinte dúvida: o cônjuge, companheiro, descendente ou ascendente ainda têm o direito de resgatar o bem penhorado transferido a outrem (terceiro ou exeqüente)?


Parece que não.


Estes sujeitos, pelos mesmos motivos que justificavam a antiga remição de bens, têm agora o direito de preferência na aquisição do bem penhorado fora e antes da hasta pública. São legitimados a adjudicar o bem penhorado. Mesmo se os outros legitimados (exeqüente, credor com garantia real e sócio da pessoa jurídica) pretenderem exercer o direito potestativo de adjudicar o bem, em igualdade de condições têm o cônjuge ou companheiro, o descendente e o ascendente, nesta ordem, a preferência na adjudicação (art. 685-A, § 3º, CPC). Se houver vários pleiteantes no mesmo grau de preferência, far-se-á uma licitação entre eles, “caso em que a adjudicação será deferida àquele que maior preço oferecer” (THEODORO Jr., Humberto. A reforma da execução do título extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 121). Conferiu-se um direito mais abrangente a esses sujeitos: podem adquirir qualquer bem, independentemente da existência de prévia arrematação ou adjudicação, como outrora, desde que, para isso, depositem no mínimo o valor alcançado na avaliação. Não há mais resgate, salvamento: o bem adjudicado não estava indo embora… Ele é adquirido antes que seja transferido a um terceiro. Não é mais possível, portanto, utilizar, ao menos em respeito ao vernáculo, o verbo remir. Obviamente, porém, se houver hasta pública sem licitante, o direito de adjudicar ainda pode ser exercitado.


Mas remanesce outra dúvida: e se o bem hipotecado for transferido a terceiro ou ao exeqüente, poderá um desses sujeitos, ainda assim, remir o bem, resgatando-o (perceba que o CC, art. 1.482, prevê esse direito na execução hipotecária)?


Parece-me, também, que não: o não-exercício do direito de adjudicar é conduta que implica a perda do direito de remir, até como forma de proteger a boa-fé do terceiro adquirente, que sabe não poder mais ser surpreendido com o resgate do bem que acabara de adquirir. É uma espécie de supressio (Verwirkung, para os alemães) de direito processual: perda de um direito por não ter sido exercido pelo titular em certo lapso de tempo, o que gerou a legítima expectativa (por força da boa-fé objetiva) em outrem de que não seria mais exercido. Trata-se de interpretação que visa tutelar a confiança e, portanto, a boa-fé objetiva. O direito do membro da família, doravante, deverá ser exercido nos moldes do art. 685-A, CPC.


Há duas diferenças significativas entre o direito de adjudicar e o direito de remir, ambos potestativos: a) o direito de adjudicar é exercido antes da transferência do bem a terceiro ou ao exeqüente, diferentemente do direito de resgatar o bem, que pressupunha a perda do bem para um terceiro estranho à família; b) o preço a ser pago na adjudicação é aquele definido na avaliação, enquanto na remição o preço era ou o da arrematação (que poderia ser em valor inferior ao da avaliação) ou o da adjudicação (que era o da avaliação).


A adjudicação do bem dado em garantia real pelo cônjuge, companheiro, descendente ou ascendente extinguirá o direito real, que se sub-rogará no preço da transferência. É preciso, porém, intimar o credor com garantia real da penhora feita no bem que lhe foi dado em garantia.


Fredie Didier Jr.
22 de janeiro de 2007

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