Editorial 117

Reconvenção é demanda do réu contra o autor no mesmo processo em que está sendo demandado.

Há, no direito brasileiro, outra espécie de demanda do réu no mesmo processo, chamada de pedido contraposto. Há previsão de pedido contraposto, p. ex., no procedimento sumário (art. 278, § 1º, CPC), nos Juizados Especiais Cíveis (art. 31 da Lei n. 9.099/1995) e no procedimento das demandas possessórias (o pedido de indenização previsto no art. 922 do CPC).

No direito brasileiro, o pedido contraposto apresenta-se como uma demanda mais simplificada do que a reconvenção. Duas são as suas características básicas: a) ser formulado no bojo da contestação, sem necessidade de peça autônoma; b) restrição legal quanto à sua amplitude (nos Juizados e no procedimento sumário, deve ficar restrito aos “fatos da causa”; nas possessórias, admite-se apenas o pedido de indenização).

A primeira das características não é determinante para a identificação do pedido contraposto. É que a jurisprudência e a doutrina têm admitido a apresentação da reconvenção e da contestação em uma única peça processual, desde que se possam distinguir ambas as postulações. A formulação em peça avulsa ou na mesma peça da contestação é mera formalidade, que não serve para distinguir a reconvenção do pedido contraposto.

Realmente, a diferença entre essas demandas reside na amplitude da cognição. A reconvenção é demanda que pode ter variada natureza: pela lei, basta que seja conexa com a ação principal ou com os fundamentos de defesa (art. 315 do CPC). Não há qualquer outra restrição. Note que, em relação ao pedido contraposto, ou o legislador restringe a causa de pedir remota (“mesmos fatos da causa”), ou tipifica a pretensão que pode ser por ela veiculada (“pedido de indenização”).

Enfim, reconvenção e pedido contraposto são espécies de um mesmo gênero: demanda do réu contra o autor. Distinguem-se pela amplitude da cognição judicial a que dão ensejo.
É preciso considerar, no entanto, que reconvenção e pedido contraposto são conceitos jurídico-positivos. Dependem, portanto, do exame do direito positivo. Podem variar no tempo e no espaço. Reconvenção pode ter significado diverso em outro país ou em outro momento histórico.

É inegável que há um acúmulo histórico sobre o que seja reconvenção. Pode-se afirmar que se trata de um conceito tradicional, muito bem compreendido e disseminado, ainda que jurídico-positivo. Assim, não convém alterá-lo desnecessariamente.

Essa observação se justifica, pois o projeto de novo CPC, a pretexto de “extinguir” a reconvenção, deixou de mencioná-la. Em seu lugar, o art. 326 do projeto substitutivo apresentado pelo Sen. Valter Pereira prescreve que: “É lícito ao réu, na contestação, formular pedido contraposto para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa, hipótese em que o autor será intimado, na pessoa do seu advogado, para responder a ele no prazo de quinze dias”.

Como se pode perceber com alguma facilidade, não houve extinção da reconvenção. Mantém-se rigorosamente a mesma hipótese de incidência anterior (demanda formulada pelo réu contra o autor, conexa com a ação principal ou com os fundamentos de defesa, correspondente ao atual art. 315 do CPC).

Seria possível, obviamente, redefinir a reconvenção, ampliando ou restringindo o seu objeto. Mas isso não aconteceu. O regramento é idêntico. A reconvenção, enfim, não desapareceu. Optou-se, apenas, pela mudança do nome, valendo-se de um signo já amplamente conhecido, mas com outro significado: o pedido contraposto. Algo não deixa de existir simplesmente porque recusamos a chamá-lo pelo nome que sempre teve.

A imprecisão é clara. Pedido contraposto, no direito brasileiro, possui outro sentido. No próprio projeto apresentado pelo Senador Valter Pereira, consta a tradicional regra do procedimento das ações possessórias (art. 542 do substitutivo); além disso, não se propõe a revogação da Lei dos Juizados Especiais. Ou seja: o pedido contraposto continua a existir, no direito brasileiro, como sempre existiu. Pedido contraposto sem limitação cognitiva nada mais é do que a conhecidíssima reconvenção. Não adianta mudar o nome. Suco de uva não é vinho, mesmo que insistamos em assim designá-lo.

Incompreensões desnecessárias surgirão. Haverá, certamente, quem afirme que não há mais reconvenção (nada obstante as mesmas regras se mantenham, o que é curioso). Com isso, haverá quem defenda que tudo o quanto se construiu a respeito desse instituto deve ser ignorado.

Não basta ser formulada na mesma peça de defesa para que a demanda do réu seja considerada como pedido contraposto. É a limitação da cognição que o caracteriza.
Nada se ganha com a alteração terminológica.

Fredie Didier Jr

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