Editorial 111

O parágrafo único do art. 37 do CPC prescreve que a não-ratificação dos atos praticados por advogado sem procuração importará havê-los por inexistentes.

O NCPC repete essa regra no § 2º do art. 87: “Os atos não ratificados serão havidos por juridicamente inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos”.
A regra vigente é péssima e já foi revogada. Reproduzi-la no NCPC é um duplo equívoco, portanto.

Explico.

De logo, cabe uma observação: o ato processual a que se refere o texto normativo foi praticado por quem poderia praticá-lo, ou seja, um advogado. Há capacidade postulatória. O que não há é a prova da representação voluntária, negócio jurídico que, no caso, serviria para a integração da incapacidade técnica da parte. A falta de capacidade postulatória está regulada no art. 4º do EOAB: ato praticado por não advogado é ato praticado por agente incapaz e, portanto, é nulo.

A situação não é de inexistência, mas, sim, de ineficácia do processo ou do ato em relação àquele que supostamente seria a parte, mas que não outorgou o instrumento de representação. “A falta de poderes não determina nulidade, nem existência” (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 3ª ed. São Paulo: RT, 1983, t. 4, p. 27.).
Trata-se de ato cuja eficácia em relação ao suposto representado submete-se a uma condição legal suspensiva: a ratificação. O caso é de aplicação direta do quanto disposto no art. 662 do CC-2002: “Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar”. Não falta capacidade postulatória, pois o ato foi praticado por um advogado, que a tem; o problema está na representação, que não restou comprovada.

O advogado será responsabilizado pelas perdas e danos, em razão da extinção do processo instaurado sem que lhe tenha sido outorgada a procuração: se o processo não existisse juridicamente, seria inconcebível e ilógico colocar a extinção do “nada jurídico” como suporte fático do dever de indenizar.  A situação é similar àquela do processo instaurado por uma parte ilegítima: é como se o advogado, que não foi autorizado a demandar, estivesse pleiteando em juízo direito alheio, sem que tivesse legitimação extraordinária para tanto; é como se o autor fosse o advogado, não o seu pretenso representado. Admitir ratificação de ato inexistente é, no mínimo, uma contradição lógica. Tudo aquilo que se coloca posteriormente à prática do ato, como exigência para a produção dos seus efeitos jurídicos, somente pode ser considerado como condição (em sentido amplo), fato que opera no plano da eficácia; o ato processual, no caso, produz efeitos imediatamente, mas sua eficácia fica subordinada a condição resolutiva.

Como se vê, a compreensão do texto normativo exige do intérprete domínio dos conceitos de fato jurídico, ratificação, plano da eficácia do fato jurídico, ineficácia relativa, condição, plano da validade do ato jurídico, capacidade, entre outros. Todos são conceitos jurídicos fundamentais.

Observe, então, que não basta identificar o erro do par. ún. do art. 37 do CPC, reproduzido no § 2º do art. 87 do NCPC. É preciso perceber que ele fora revogado pelo art. 662 do Código Civil, que é norma posterior, igualmente genérica, que cuida da mesma hipótese fática e que, portanto, revogou o CPC no particular.

Há um grave problema na ressurreição do equivocado e revogado texto normativo.
A partir do texto legal, há quem defenda que, no direito brasileiro, a capacidade postulatória é pressuposto processual de existência. O Superior Tribunal de Justiça acolheu a terminologia no enunciado 115 da súmula da sua jurisprudência predominante: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”.
A fragilidade teórica dessa concepção é evidente. O problema de que cuida o parágrafo único do art. 37 do CPC nem diz respeito à capacidade postulatória nem está relacionado ao plano de existência dos atos processuais.

Sugiro rever a redação do § 2º do art. 87 do NCPC, que ficaria assim:


“Os atos não ratificados são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados”.
Sugiro, ainda, acrescentar um § 3º ao art. 87 do NCPC:


“O advogado responderá por despesas e perdas e danos se não houver a ratificação dos atos praticados sem procuração.”


Fredie Didier Jr

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