Editorial 09

Restrições à legitimidade para arrematar: o confronto entre o art. 497 do CC e o art. 690-A, CPC, introduzido pela Lei Federal n. 11.382/2006.

Em relação à restrição da legitimidade para aquisição de bem em hasta pública, o art. 497 do CC-2002 trouxe sutis inovações em relação ao texto originário do CPC-73, previsto no § 1º do art. 690, revogado pela Lei Federal n. 11.382/2006.


Primeiramente, indicou duas novas categorias de pessoas, não catalogadas no § 1º do art. 690 do CPC-73, que não estão autorizadas a comprar determinados bens, inclusive em hasta pública: “II — pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta; IV — pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados”. A restrição do inciso II já constava, embora com outra redação, do inciso III do art. 1.133 do CC-1916, que, por não ter sido reproduzido pelo parágrafo único do art. 690 do CPC-73, encontrava-se revogado. Houve uma ressurreição, no particular.


Em segundo lugar, deixou claro que a restrição da legitimidade do juiz, escrivão, administrador, depositário, avaliador, perito, oficial de justiça etc. (inciso III do § 1º do art. 690 do CPC-73; inciso III do art. 497 do CC-2002) refere-se apenas à arrematação que ocorra “no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade”. Também aqui se revela o vaivém legislativo: essa ressalva existira no CC-1916 (inciso IV do art. 1.133), mas, por não ter sido reproduzida no CPC-73, estava revogada. Frise-se que andou bem o CC-2002 ao limitar territorialmente a restrição da legitimidade desses sujeitos.


O problema é que o § 1º do art. 690 do CPC foi revogado pela Lei Federal n. 11.382, que introduziu no mesmo CPC o art. 690-A, com nova lista de não legitimados à aquisição de bem em hasta pública. Há novas incongruências.


O art. 690-A prevê, corretamente, a restrição de legitimidade para arrematar aos “síndicos ou liquidantes” (inciso I), ampliando a redação do inciso I do art. 497 do CC


O texto do art. 690-A do CPC não prevê expressamente, porém, a proibição de o leiloeiro e seus prepostos arrematarem bens de cuja venda estejam encarregados, como o faz o Código Civil no inciso IV do art. 497. Diante do silêncio do novo texto legal, cabe a pergunta sobre se houve a revogação do Código Civil no particular. Parece que não, por três motivos.


i) O inciso II do art. 690-A prevê que os mandatários não podem adquirir bem de cuja venda estejam encarregados. Nesta previsão pode-se encaixar, por analogia, a proibição de o leiloeiro e seus prepostos arrematarem o bem. O leiloeiro é encarregado de vender determinado bem; se não é mandatário em sentido estrito, parece não haver dúvida de que se trata de um representante do Estado, agindo em seu nome. É notória a confusão legislativa entre mandato e representação (o art. 653 do CC prevê que a procuração é o instrumento do mandato, quando se sabe que ela é o instrumento da representação, de que é espécie o mandato).


ii) Relembre-se que a restrição à aquisição pelo leiloeiro e seus prepostos não existia no texto originário do CPC (antigo art. 690), sendo essa, certamente, a razão do esquecimento do legislador reformista, que não atentou para a circunstância de que o tema também havia sido regrado pelo Código Civil.


iii) Como não houve revogação expressa, a permanência da regra do Código Civil está de acordo com os princípios da proteção da moralidade administrativa e da boa-fé: permitir que alguém que esteja vendendo um bem possa ele próprio adquirir esse bem não parece postura eticamente adequada, notadamente quando se está diante de um auxiliar da justiça.


Os motivos “ii” e “iii” justificam, também, a permanência da restrição, prevista no Código Civil (art. 497, II), a que os servidores públicos, em geral, arrematem os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta.


Também permanece em vigor, em razão da sua óbvia razoabilidade, a despeito do silêncio da nova regra do CPC, a limitação territorial da restrição da legitimidade do juiz e dos serventuários à unidade territorial na qual exercem suas funções. O CPC, porém, inovou, corretamente, ao considerar também ilegítimos o membro do Ministério Público e o Defensor Público (art. 690-A, inciso III, CPC).


Fredie Didier Jr.
16 de janeiro de 2007



 

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