Editorial 08

Lei Federal n. 11.382/2006.  A averbação da pendência da execução no registro de bens economicamente relevantes. Novo meio típico de execução indireta.


O art. 615-A, introduzido pela Lei Federal n. 11.382/2006, trouxe interessante novidade ao perfil dogmático da execução por quantia certa.


De acordo com esse dispositivo, o exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da demanda, para fim de averbá-la na matrícula de imóveis ou no registro de veículos ou outros bens sujeitos à penhora ou arresto.


Trata-se de um meio de coerção indireta do executado expressamente autorizado pelo legislador (é, portanto, meio típico). A averbação da notícia do ajuizamento da execução no registro de bens economicamente relevantes (como o são os bens que precisam ser registrados) é um fato que certamente dificultará a movimentação do patrimônio do executado, desestimulando terceiros a adquirir seus bens. É um prenúncio de que aquele bem pode vir a ser penhorado, sinal de fumaça que certamente será compreendido por terceiros.


Note que o fato a ser averbado é a existência do procedimento executivo. Não se trata de averbação da penhora.


A principal função do instituto é a de preservar o exeqüente contra eventual alegação de boa-fé de terceiro adquirente de bem do executado. É que, agora, se presume em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação. Trata-se de presunção absoluta, ao que parece, em consonância com a regra do § 4º do art. 659 do CPC. Ambos os dispositivos devem ser interpretados e aplicados conjuntamente. A presunção legal afasta a relevância da discussão sobre a boa-fé do terceiro adquirente (desconhecimento da pendência do procedimento executivo), requisito para a configuração da alienação do bem em fraude à execução (THEODORO Jr, Humberto. “A fraude de execução e o regime de sua declaração em juízo”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2001, n. 102, p. 84-86, com amplas referências; SOUZA, Gelson Amaro de. “A fraude de execução e o devido processo legal”. Revista Brasileira de Direito Processual. Curitiba: Gênesis, 2000, n. 16, p. 272). Com a averbação, a ciência da execução pelo terceiro se presume.


A averbação da pendência do processo executivo no registro de imóvel não dispensa a averbação da penhora do imóvel. São fatos distintos, que precisam de averbações distintas. Perceba: a) de acordo com § 2º do art. 615-A, “formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados”, o que reforça a diferença entre os fatos, tanto que, sobrevindo a penhora (que confirmará o prenúncio), a primeira averbação deve ser cancelada; b) a averbação da instauração do procedimento executivo faz com que a alienação do bem seja considerada em fraude à execução, que pressupõe a insolvência do executado para a sua configuração (art. 593, II, CPC), enquanto a alienação do bem penhorado, também ineficaz para o procedimento executivo, é ato para cuja configuração é dispensável a comprovação da insolvência.


Como se trata de providência executiva que pode causar gravame ao executado, se a averbação for manifestamente indevida o exeqüente indenizará a parte contrária nos termos do regramento da litigância de má-fé (§ 4º do art. 615-A). Não me parece adequada a referência à litigância de má-fé. A responsabilidade do exeqüente decorreria da regra geral do art. 574, que deve ser o parâmetro legal para a averiguação do que seja averbação “manifestamente indevida”: aquela que ocorreu em procedimento executivo cujo crédito exeqüendo foi reconhecido como inexistente (art. 574 do CPC: “O credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução”). É caso, pois, de responsabilidade objetiva do exeqüente.


O § 1º do art. 615-A prescreve que “o exeqüente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização”. Para que serve este prazo?


Parece-me que esse prazo serve para determinar o momento de eficácia da averbação em relação ao terceiro. Se comunicada a averbação no prazo de dez dias, a eficácia dela perante terceiros (presunção absoluta de conhecimento) é imediata (desde o dia em que feita). Ultrapassado o prazo de dez dias, a averbação passa a produzir efeitos assim que o credor comunicar ao magistrado (ex nunc, pois). O prazo serve para que se dê eficácia imediata a averbação, sob condição legal resolutiva de 10 dias: se comunicar no prazo, a averbação terá produzido efeitos imediatamente. O descumprimento do prazo, porém, não cancela as averbações já feitas (providência desproporcional, pois o fato “pendência do procedimento executivo” não deixa de existir por conta disso).


Fredie Didier Jr.
15 de janeiro de 2007

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